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Preconceito

22 DE JULHO DE 2016

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Preta Rara lança #EuEmpregadaDoméstica e quebra o silêncio

Rapper santista lança a hashtag na última terça-feira (19). Em poucas horas, a página já conquistou quase 4 mil curtidas

Por: Da Redação

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Na última terça-feira (19), a santista Joyce Fernandes – mais conhecida atualmente como Preta Rara – fez este post na rede social. Rapper e professora de história, Preta Rara trabalhou por sete anos como empregada doméstica e resolveu quebrar o silêncio de quem atua nesta profissão com a #EuEmpregadaDoméstica. Só neste primeiro post, foram mais de mil curtidas – entre carinhas de raiva, choro – e 400 compartilhamentos.

“Estou fazendo terapia e em uma das sessões começaram a vir várias memórias. No dia 19 eu postei uma lembrança das coisas que escutava quando era empregada doméstica. Mas não sabia que teria tanta visibilidade, com muitas pessoas se identificando e se revoltando”, conta Preta, que tornou público o pedido da patroa Jussara para que ela levasse os próprios talheres, mesmo sendo ‘considerada da família”.

O relato foi da última casa em que trabalhou como empregada doméstica, cozinhando, no ano de 2009. No dia seguinte do post recebeu, inclusive, uma mensagem inbox da filha da patroa, se dizendo inconformada com a atitude de Preta, afinal sempre trataram a Joyce como uma pessoa da família. Isso enfureceu ainda mais a rapper, que postou, em seguida:

Gente, para tudo a filha da minha ex patroa Jussara, me achou aqui e disse que quer saber o pq que eu expus a mãe dela. Ela disse que a mãe dela e a família dela sempre me tratou com respeito e que me considerava como alguém da família. Eu disse que jamais seria dessa família escrota racista e babaca que fazia eu levar marmita e talhares pra não comer da comida que eu mesma preparava para eles (…) Santos é pequeno mesmo, pois eu pensei que vc nem sabia o meu nome, pq na sua casa vc me chamava de moça. Não tenho sororidade com sinhá!

Foram sete anos nesta função em diversos lares de Santos. A mãe de Joyce – também empregada doméstica – não queria que a filha fosse pelo mesmo caminho. “Ela não queria isso para mim, mas não conseguia emprego em outros lugares e portanto não tive escolha na época. Ela sabia pelas coisas que eu passaria, porque ela passou”, conta.

Hoje, mesmo empoderada de seus direitos e ativista, Preta tem sim dificuldade em ler todos os relatos que recebe. “É difícil ler tudo e ficar bem. Na medida do possível estou bem por conta da terapia que to fazendo. Sábado vou conversar melhor com a terapeuta. Importante para garantir inclusive minha sanidade mental”, ressalta. “Isso tudo está ferrando com as minhas ideias”.

pretaNão é a primeira vez que o tema se tornou polêmico. Em 2014, no twitter, surgiu o perfil A Minha Empregada provando o preconceito existente nos lares brasileiros, também com casos de racismo e outros tipos de discriminação social. No ar até hoje, a descrição do perfil é A chibatada é serventia da casa. (contém ironia e tristeza na batalha contra a imbecilidade e o preconceito).

Dois anos antes, em 2012, o estudo Desigualdades em distâncias – gênero, classe, humilhação e raça no cotidiano do emprego doméstico concluiu que as domésticas ainda sofrem, cotidianamente, com as humilhações de suas patroas, que explicitam as desigualdades e as distâncias sociais. Realizado na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP pelo sociólogo Jefferson Belarmino de Freitas, o estudo entrevistou 10 empregadas e duas patroas, além de analisar cartilhas de etiqueta direcionadas às patroas, matérias jornalísticas sobre o tema e documentos de instituições que lidam com questões relacionadas aos Direitos Humanos.

Para Preta, triste é saber que os relatos são iguais ao que a mãe passou há 30 anos e que hoje – neste momento – muitas mulheres estão passando. Em apenas três dias do lançamento da hashtag, Preta conta que já recebeu muitos relatos e eles não param de chegar. Criou então uma página oficial para organizar melhor. De todos, ela destaca um que a emocionou muito, da filha de uma senhora, de 76 anos. A mãe ainda trabalha como empregada e foi obrigada a subir 11 andares de um prédio, pois o elevador de serviço estava quebrado e ela foi impedida de usar o social.

“Dona Maria tem 76 anos há 30 anos ela é empregada doméstica
Uma manhã ela chegou para trabalhar e o elevador de serviço estava quebrado
Ela e suas amigas da mesma profissão encararam uma escadaria sem fim
Pq empregada doméstica em prédio de luxo não pode utilizar o elevador social.
(Acabei de receber esse relato do filho da Dona Maria e ela deve estar no serviço agora)

 

“Achei necessário criar a página para não sobrecarregar o meu perfil. Não esperava tanta repercussão. Criei por volta da meia noite de ontem (na quarta-feira de madrugada). Não se passaram nem 12 horas e já recebi mais de 150 relatos, que postarei no decorrer do dia”. A página já ultrapassa 70 mil curtidas. Número que não para de crescer.

A ideia, segundo Preta, é gerar uma reflexão tanto nas patroas como nas empregadas. “Vamos mostrar o que acontece dentro das casas e comércios brasileiros. Espero contribuir com uma mudança de comportamento das patroas, além de fazer com que as empregadas entendam que não são obrigadas a escutar estes abusos. Não podemos nos calar mais. Elas precisam perceber que não são invisíveis”, conta.

Muitas lutas ainda precisam ser vencidas, segundo Preta. A lei trabalhista, por exemplo, que já mudou no papel ainda não reflete na maioria dos lares brasilerios. “Poucos regularizaram a vida da empregada doméstica. Muitas trabalham há mais de 10 anos sem registro. Não recebem o salário devido. Não tem direiro a férias, a um descanso remunerado. Muitas coisas precisam mudar. É importante também pensar numa maior fiscalização”.

Importante ressaltar, que mesmo a maioria mostrando a crueldade ainda presente na relação patroa x empregada existem relatos positivos. Preta fez questão de lembrar, em post, da patroa que era professora universitária e acreditou quando disse que queria cursar História e ser professora.

“Joyce, sempre te vejo demorando horas para tirar o pó da prateleira e dos meus livros, vc gosta de ler?
Eu: Sim, leio muito a bíblia.
Patroa: Já peguei vc lendo escondido meu livro da “Olga”, pode levar pra ler em casa, você já pensou em continuar os seus estudos?
Eu: Sim, quero fazer faculdade de história, é muito caro e não sei se terei condições de pagar.
Patroa: Nossa que incrível, vai ter que ler bastante hein e vc terá uma prateleira com bem mais livros do que a advogada aqui, vc vai conseguir menina, tenho certeza.
(Patroa Regina, a única que me incentivou a estudar e quando eu encontrei com ela no Gonzaga em Santos/SP dei um forte abraço e falei que eu sou professora e choramos juntas)
‪#‎EuEmpregadaDoméstica‬

Próximos passos

A intenção de Preta é inscrever o projeto em algum edital para conseguir publicar estas histórias. “Tudo isso não pode ser em vão. A página já é uma feramenta muito forte para dar visibilidade, mas quero eternizar estas histórias no papel. Um dia quem sabe”, projeta Preta que já aprendeu que não existem limites que não podem ser ultrapassados!

Tem um relato?

Quem quiser participar com um relato para ser postado na página #EuEmpregadaDoméstica pode enviar para o e-mail [email protected] ou entrar em contato direto na página inbox.

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