O que parecia uma vitória tranquila por parte do Ministério Público Estadual acabou surpreendendo. Dos 24 desembargadores do Tribunal de Justiça que analisaram o pedido de Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) proposto pelo MP e votado na semana passada, apenas os dois que se colocaram favoravelmente ao pedido – especialmente no tocante à incorporação dos 20% no salário a cada ano trabalhado em cargo comissionado ou de livre provimento – antes da interrupção da votação em razão do pedido de vistas de outro colega, em abril passado, mantiveram a decisão. Resultado: 22 a 2. Uma sonora goleada.
Na prática, o resultado – o acórdão foi divulgado na terça (23) – não afeta o cotidiano da Prefeitura e Câmara. O TJ apenas considerou procedente o ponto onde o MP solicitava a retirada da expressão ‘a qualquer título’ prevista na Lei Orgânica do Município. O assunto fere a Constituição. Conforme o relatório, o termo “viola a exigência de aprovação em concurso público, pois chancela situações proscritas pela nova ordem constitucional, como os conhecidos concursos internos que permitiam a servidores públicos ascender a carreira diferente daquela para qual admitidos por meio de concurso público. Assiste razão ao autor nessa parte. A vantagem deve ser limitada aos casos de exercício de cargo em comissão ou função de confiança”. Tanto que nem o sindicato dos servidores nem a Prefeitura questionaram a alteração solicitada pelo Tribunal. “A mudança não tem efeito prático”, explica o advogado do Sindicato dos Servidores, Wagner José de Souza Gatto.
A alteração baseia-se no fato de que se fosse mantido o teor poderia dar margem para o desvio de função. “A brecha para burlar o concurso público nunca foi praticada pela Prefeitura de Santos. Ou seja, o texto será alterado, mas nada mudará de fato para os trabalhadores”, informa o sindicato.
Incorporação
O cerne da questão – objeto de pedido do vereador Benedito Furtado (PSB) junto ao Ministério Público, que originou a Adin a respeito da incorporação – foi a grande surpresa. O MP alega que a Constituição estadual limita em 10% esta gratificação. Em Santos, porém, a diferença entre o salário original do servidor e o montante pago durante o exercício da função acaba sendo incorporada a cada ano em 20% nos salários dos funcionários que ocupam cargos comissionados ou de livre provimento. (veja quadro dos valores atuais pagos para cargos comissionados (CS a C-4) e os valores acrescidos em funções gratificadas).
Com a negativa por parte do TJ, tudo continua como está, fato que foi comemorado especialmente pelo Sindicato dos Servidores – Sindserv Santos, que criticou em seu site a posição do edil peessebista contrário à medida. Contatado, sua assessoria informou que o vereador ainda vai analisar o resultado do TJ para se pronunciar.
O mesmo ocorre com o Ministério Público. Segundo a Assessoria de Comunicação do órgão, o MP não foi comunicado oficialmente da decisão e só se pronunciará após análise do caso. A única informação é que a Procuradoria-Geral de Justiça está exigindo, em todos os casos semelhantes, a compatibilidade com o artigo 133 da legislação estadual, segundo a qual só podem incorporar 10% ao ano os que são efetivos no cargo. Em âmbito federal, este benefício com o percentual de 20% deixou de existir desde 1997.
Independente disso, o Ministério Público deve entrar com recurso chamado embargo de declaração para tentar uma nova votação. Se o resultado persistir, pode-se tentar ainda um recurso extraordinário no Supremo Tribunal de Justiça (STJ) e recurso especial no Supremo Tribunal Federal (STF). O mesmo também pode ocorrer com as outras partes envolvidas (sindicatos, Câmara e Prefeitura) caso haja reversão do resultado. Não há previsão, porém, para a decisão final sobre o assunto, cuja lei municipal está em vigor desde 1995.
Segundo a Prefeitura de Santos, o montante que os valores pagos a título de incorporações com base em cargos de livre provimento e comissionados chega, em média, a 3,98% da folha salarial dos servidores. No ano passado, a Prefeitura gastou R$ 908 milhões com salários. Assim, foram gastos R$ 36 milhões apenas aos funcionários que recebem estes benefícios, sem contar as despesas entre aposentados e pensionistas (3.686 e 1.672, respectivamente), que acabam incorporando os salários da ativa após se aposentarem. A diferença salarial entre os 200 maiores e menores salários dos inativos da Prefeitura e Câmara de Santos chega a impressionantes 43.300%, segundo levantamento feito pelo vereador Benedito Furtado em 2012. A tendência é este percentual ter crescido ainda mais quase três anos depois.