Cultura do estupro | Boqnews

Opiniões

02 DE MAIO DE 2013

Cultura do estupro

Por: Da Redação

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“O problema número um
do Congo são os estupros. Matam mais que a cólera, a febre amarela e a malária.
Cada bando, facção, grupo rebelde, inclusive o Exército, onde encontra uma
mulher procedente do inimigo, a estupra. Ou melhor, a estupram. Dois, cinco,
dez, quantos sejam. Aqui, o sexo nada tem a ver com prazer, só com o ódio.
Todos os dias chegam neste consultório mulheres, meninas, violadas com bastões,
ramos, facas, baionetas. O terror coletivo é perfeitamente explicável.”

O depoimento, seguido de um choro, é do médico Tharcisse,
nascido no Congo e integrante da organização Médicos sem Fronteiras. Ele contou
esta história ao escritor peruano Mario Vargas Llosa, prêmio Nobel de
literatura em 2010. A conversa entre os dois consta no livro Dignidade, editado
a partir de experiências da organização em todo o mundo.

Não podemos nos enganar, no entanto, que a violência
sexual é um problema de lugares distantes, de culturas que – por arrogância –
classificamos como exóticas para inferiorizá-las. Nem se trata somente de um
problema particular como a Índia, que tem povoado o noticiário desde o início
do ano, por conta de estupros coletivos. Aliás, a ressonância internacional
provocou queda imediata de 25% no número de turistas.

A violência sexual é uma epidemia global, que não possui
relação direta com desenvolvimento econômico ou com indicadores sociais
favoráveis. Estupros podem ser ou não mascarados pelas estatísticas, mas é uma
doença social que alcança a todos.

Nos Estados Unidos, uma mulher é vítima de agressão
sexual a cada dois minutos. No Canadá, onde os índices de homicídios são muito
baixos, os custos da violência contra a mulher alcançam US$ 2,1 bilhões. Na
Suécia, uma em cada três mulheres foi alvo deste tipo de violência. Na vizinha Dinamarca,
três em cada dez mulheres sofreram uma agressão sexual ao longo da vida. É o
mesmo índice de Bangladesh, país pobre do sul da Ásia. 

O Brasil não fica atrás na matemática da violência
sexual. O número de estupros cresceu 162% entre 2009 e 2012. No ano passado,
dez mulheres foram violentadas por dia no país. Quase metade das agressões
aconteceu em vias públicas. Sete em cada dez estupradores conhecem suas
vítimas. Muitos residem perto delas, quando não são parentes.

Um dos fatores que ajudam a perpetuar a bestialidade
masculina é a impunidade. Um levantamento feito pelo Núcleo de Estudos do
Gênero, da Unicamp, aponta que somente um terço dos casos se transforma em
inquérito policial. Em Campinas, maior cidade do interior do São Paulo, por
exemplo, somente 9% dos casos acabaram em condenação do agressor.

São Paulo, por sinal, é o Estado brasileiro campeão de
violência sexual. Nos últimos quatro anos, foram cerca de 2,5 mil casos. No
ranking da selvageria, São Paulo é acompanhado – pela ordem – por Minas Gerais,
Paraná, Rio de Janeiro e Pernambuco.

No Rio de Janeiro, houve – oficialmente – dez casos de
estupros coletivos no trajeto entre Copacabana e a Lapa este ano. A história só
ganhou corpo, infelizmente, quando vítimas foram turistas estrangeiras. A
delegada Marta Dominguez, titular da Delegacia Especial de Atendimento à Mulher
de Niterói, foi exonerada porque teria feito vistas grossas a um dos casos, no
final de março.

Peço desculpas ao leitor pela grande quantidade de
números. Espero que você se sinta desconcertado e convencido da dimensão do
problema. Você deve ter notado que não coloquei em discussão a cidade de Santos
e tampouco as causas e outros comportamentos culturais que cercam a violência
sexual. Penso que o assunto é importante demais para uma única coluna. Voltarei
ao tema na próxima semana.

  

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