Fortinhos e preguiçosos | Boqnews

Opiniões

30 DE JANEIRO DE 2015

Fortinhos e preguiçosos

Por: Da Redação

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O ex-007 Pierce Brosnam vive uma situação cruel quando aparece em revistas de celebridades. Keely Shaye Smith, sua esposa há 15 anos e mãe de dois filhos, engordou (pouco me interessa descobrir quantos quilos e os motivos) e virou alvo de adjetivos interessantes por parte da imprensa. Ela já foi chamada de “controversa”. Ele, por sua vez, foi classificado como “fiel” por estar casado com alguém bem acima do peso.

Peço desculpas por começar o texto falando sobre celebridades, mas o fiz para chamar sua atenção sobre uma das principais contradições do mundo atual. Assinamos um pacto de silêncio para diminuir o problema ou nos silenciarmos diante de um preconceito mascarado pela ditadura estética e seus padrões impossíveis.

Gordos não são controversos. Gordos não são obesos para que as palavras soem menos pesadas, com o perdão do trocadilho. Gordos não são fortinhos, com o tom de quem diz com misericórdia ou acredita que mudar termos altera o sentido da mensagem.

Os adjetivos acima representam somente a parte mais leve e explícita das relações entre as pessoas. E simbolizam a cereja do bolo de contradições, numa sociedade na qual metade dos sujeitos se encontram acima do peso e boa parte crê na utopia de que o mundo é como a publicidade de cosméticos ou de diuréticos milagrosos à venda pelo telefone.

O que mais carimba o preconceito são as perseguições veladas, camufladas por olhares e por desconfianças que assassinam o mérito e abrem  as portas para retóricas hipócritas. Prevalece o julgamento prévio, a condenação de quem se vitimiza quando confrontado com as decisões que jamais admite ter tomado.

O que significa contratar por boa aparência? A falsa objetividade deste critério esconde a intolerância contra cabelos, cor da pele e estética fora do que seria o aceitável. Uma vendedora seria mais eficiente por ser magra, para ficar somente no assunto desta coluna? Ou como ouvi de uma colega de trabalho: “Você é tão bonito. Mas seria mais se fosse mais magro!” Ah, ela não é magra e, ainda que fosse, recebeu o silêncio como resposta ao suposto elogio.

Gordos não são incompetentes por causa do peso. Ou menos produtivos. A vida profissional não é uma corrida de cem metros rasos e, mesmo assim, inúmeras funções não dependem de quem cruza primeiro a linha de chegada, mas de quem percorre o caminho sem se desviar da raia ou deixar cair o bastão no revezamento.

A gordura costuma também ser associada à preguiça. Por que os “fortinhos” são mais preguiçosos? A magreza estaria associada não somente à beleza, mas também à uma vida lépida e mais radiante. Até quando vamos acreditar na carochinha? Ou somos cegos diante das filas em hospitais e dos consultórios médicos? Adoramos editar a vida alheia, como picotamos a nossa.

Nem todos os gordos são doentes, assim como nem todos os magros são saudáveis. Óbvio, mas todo mundo tem uma fórmula para mudar sua vida, embora você não tenha pedido nada a respeito ou como se você fosse ignorante sobre a matemática das calorias. Da dieta da lua à morte das proteínas, das sopas e cogumelos às novas pílulas que a celebridade recomendou, tudo serviria como remédio para sua falta de vontade de ser magro, esbelto, saudável e feliz.

Isso me faz lembrar quando entro em campo para jogar futebol. Raras foram as manifestações, mas os olhares eventualmente entregam o questionamento. Duvida-se da capacidade, desconhece-se o histórico. Numa das vezes, depois de interferir positivamente no resultado da partida, ouvi algo como: “ele fechou o gol, apesar de gordo!” Pelo contrário, eu fechei o gol, inclusive sendo gordo.

A obesidade é uma questão de saúde pública e eu a trato, pessoalmente, como tal. Mas ela convive com outros problemas como anorexia, bulimia e desnutrição. O lado nocivo é a negação comportamental e cultural. Em todos os casos, o cenário passa não somente pelo que comemos, mas pelo que queremos ser. Mais do que isso: se vamos engolir e digerir quem os outros, ditatorialmente, querem que sejamos! E sem se assumir como instrumentos de repressão.

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