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12 DE SETEMBRO DE 2008

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Sentidos da fotografia

O formigueiro humano em que se transforma a entrada principal do bloco M, na Universidade Santa Cecília, carrega consigo uma sinfonia de sons na qual se misturam passadas e vozes de jovens cansados, animados ou apressados. Todos estão sempre com os olhos no relógio para dosar o tempo entre uma refeição rápida e a aula […]

Por: Da Redação

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O formigueiro humano em que se transforma a entrada principal do bloco M, na Universidade Santa Cecília, carrega consigo uma sinfonia de sons na qual se misturam passadas e vozes de jovens cansados, animados ou apressados. Todos estão sempre com os olhos no relógio para dosar o tempo entre uma refeição rápida e a aula que começou há poucos minutos. Mas, na última segunda-feira à noite, o tango mais puro da boca de Buenos Aires destoava da orquestra dos estudantes universitários.



Ao virar a cabeça para a direita, qualquer pessoa poderia ver fortes luzes destacando as fotografias de Sandra Santos, que inaugurava a exposição Vertentes, na Galeria de Arte da universidade. O ar de cansaço transparecia a felicidade da fotógrafa, que recepcionou cerca de 150 pessoas somente no primeiro dia da mostra. Foram dois dias de trabalho para organizar o espaço, fora os três meses de seleção e preparação das 38 fotos finais. O material foi captado nos últimos três anos, dentro e fora do país.

Na entrada da galeria, o aroma adocicado de mato misturava-se ao som de origem argentina e à forte luminosidade. É o cheiro de centenas de folhas secas que cobrem quase todo o piso branco e frio da galeria. Meia hora depois, a fotógrafa explicaria que as folhas representavam uma das vertentes da mostra.

Sandra Santos se referia a uma série de 12 imagens de várias espécies de árvores, captadas no Jardim Botânico do Rio de Janeiro e em Itaipava, na cidade de Petrópolis (RJ). As fotos foram feitas em ângulos muito fechados, com luz natural e foco nos troncos, que transmitem a sensação de textura da vegetação a ponto de aguçar a vontade de tateá-las na parede de fundo branco da galeria. “A natureza é a pele da terra”, filosofa. 



O tango que permanece como som ambiente é composição de Astor Piazolla, executada pelo violoncelo do japonês Yo Yo Ma, um dos maiores nomes da música instrumental contemporânea. A trilha sonora é indicativa de outra vertente do trabalho da fotógrafa. O material foi produzido em Buenos Aires. Duas das imagens chamaram a atenção. “A Memória da Dor”  reproduz o tradicional protesto das mães da Plaza de Mayo, que reclamam pelos corpos de seus filhos mortos pela ditadura militar daquele país. Hoje, elas se transformaram em avós na praça onde se localiza a Casa Rosada, sede do governo argentino.

A segunda imagem, de nome “Libertango”, retrata um menino que olha ao horizonte. Ao fundo, o logotipo de um banco internacional. Para a fotógrafa, é um registro de cunho político. “O garoto tem atrás de si o capitalismo e procura enxergar o próprio futuro”, explica Sandra. 

Natureza ao humano

Por 25 anos, a fotógrafa focalizou seu trabalho na natureza. Parte deste enfoque resultou no livro Por Todos os Poros, lançado em 2004. Os textos da obra são do professor Gilson de Melo Barros, curador da mostra. “Ele é meu pai artístico”, orgulha-se.

Em 2004, Sandra Santos passou a registrar o que era uma evolução natural de sua percepção fotográfica. O olhar social necessitava do clic da máquina digital. As andanças pela América do Sul, nas férias, foram o gatilho para o registro de imagens sobre a miséria e a desigualdade humanas. Esta terceira e nova faceta, com imagens de pessoas na Bolívia e no Peru, é simbolizada pelo término das folhas secas e a passagem para o piso frio, no centro da galeria.

Ali, a mudança de ambiente é novo reforço para a ânsia da fotógrafa em multiplicar sentidos, ultrapassando os limites da leitura visual. “As pessoas dizem estar cansadas de ver miséria, mas se elas não a virem, quem verá.” No dia da abertura, as fotos de meninas e meninos bolivianos – captadas à distância ou depois de um rápido diálogo –  eram mais do que o centro geográfico da exposição, e sim o foco dos debates entre as pessoas.

O resultado atendeu o desejo de Sandra, pois a conversa transitava entre a beleza das imagens e o universo miserável dos indivíduos retratados, como a senhora de rosto com fissuras provocadas por décadas de sol. Os traços dela ganhavam profundidade, segundo a fotógrafa, pela irritação – manifestada em quíchua (idioma local) – por não receber dinheiro estrangeiro para ter a imagem registrada. “Ninguém passa impune por esta foto”, afirma e, na seqüência, eleva o tom de voz para reforçar sua crença nas palavras.  

Direito e fotografia

Sandra Santos é uma advogada de 46 anos. De estilo pouco convencional, ela mantém soltos os cabelos vermelhos, contrastados na rotina da universidade pelas roupas casuais que não reproduzem o ar solene do mundo jurídico. Ela, aliás, detesta os tradicionais tailleurs que desfilam pelos fóruns.  Especializada em Direito Civil, tem mestrado na área e dá aulas desta disciplina na graduação e na pós-graduação da mesma instituição de ensino que agora abriga suas fotos. Para Sandra, as duas áreas são complementares, como causa e consequência. “O Direito está relacionado a fatos. Foto é fato. E ambos geram emoção nas pessoas.”

Ela ganhou a primeira máquina, uma Kodak, aos cinco anos, mas começou a fotografar na adolescência. Aos 18 anos, Sandra foi estudar na Escola Panamericana de Arte, em São Paulo, e depois na Focus. Antes de optar pela advocacia, teve uma empresa – no estilo exército de um homem só – na qual vendia cartões postais com imagens feitas por ela mesma.

No início da década de 90, Sandra Santos entrou no universo das exposições. Desde então, participou de oito mostras. A atual, na Unisanta, é a sexta individual. A fotógrafa mantém a rotina de uma exposição a cada três anos, em um roteiro que já incluiu Rio de Janeiro e Salvador (BA). Mas orgulha-se de ter quebrado a regra uma vez, quando participou da Bienal de Artes Plásticas, em Santos, em 2004.

Vertentes, de acordo com a própria artista, traz como razão essencial fazer com que “as pessoas trabalhem outros sentidos diante da fotografia”. Na noite de inauguração, faltava somente resolver o problema do paladar, rapidamente equacionado pela discrição de dois garçons que serviam água, refrigerante e vinho branco para os visitantes.

Serviço

A exposição poderá ser vista até quinta-feira (18), na Galeria de Artes da Unversidade Santa Cecília, à Rua Oswaldo Cruz, 255, no Boqueirão. Grátis

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