
Em entrevista, o ex-presidente da Anvisa Gonzalo Vecina explicou sobre o papel da agência reguladora, vacinas e medicamentos sem efeitos práticos no combate à covid, mas com sérios riscos à saúde. Foto: Reprodução
Por qual razão as vacinas Covaxin e Sputnik V, fabricadas, respectivamente, na Índia e Rússia, ainda não foram autorizadas pela Anvisa, a medida que já são adotadas em outros países, como México e Argentina, por exemplo?
A explicação é simples.
No caso da vacina russa, faltam documentos que atestem as garantias exigidas pelo órgão regulador, como as análises detalhadas da fase 3 da pesquisa.
Técnicos da Anvisa visitaram o laboratório da empresa na Rússia e também da União Química, no Brasil, representante da vacina no Brasil.
A Sputnik V já tem dois pedidos de aprovação na Anvisa: um de importação excepcional feito por 11 estados que já compraram o imunizante e um pedido de uso emergencial feito pela representante brasileira.
Covaxin
Já no caso da vacina indiana, a qual o Ministério da Saúde já adquiriu 20 milhões de doses, a situação é mais complicada.
Afinal, os técnicos da Anvisa, após vistoria à fábrica na Índia, ficaram com uma série de dúvidas sobre a eficácia da vacina e da própria capacidade de produção e qualidade do produto.
Em razão disso, solicitaram mudanças na produção da mesma para que ela seja adotada no Brasil.
“A Vigilância Sanitária indiana é muito frágil. Permite que aconteçam coisas do arco da velha por lá. Muitas têm um padrão de qualidade muito ruim”, explica o ex-presidente da Anvisa, o médico Gonzalo Vecina Neto.
Conforme ele, a Índia dispõe de cerca de 3 mil laboratórios farmacêuticos, mas apenas 20 produzem sob a tutela das grandes indústrias do setor no mundo.
É o caso da Oxford/AstraZeneca, que foi importada no início do ano de laboratório indiano e entregue ao Ministério da Saúde, via Fiocruz.
“Esta fábrica indiana produz de acordo com as regras determinadas pela AstraZeneca”, salienta.
Assim, segundo Vecina, ele crê que dificilmente a Covaxin seja liberada pela Anvisa, caso mudanças por parte do laboratório indiano não sejam feitas, o que ele considera complexo.
Mas acredita que as autoridades russas irão atender os pedidos da Anvisa.
Ao lado de outros 31 países, a Anvisa brasileira está no seleto grupo de agências de vigilância sanitária “mais robustas”, como explica Vecina, no mesmo patamar as de países europeus, Estados Unidos, Canadá, Austrália e a China, que resolveu se tornar um grande polo farmacêutico mundial.
Butanvac
Em entrevista ao Jornal Enfoque – Manhã de Notícias na segunda-feira (19), Vecina, que foi um dos precursores do SUS, falou da Butanvac, vacina a ser aplicada pelo Instituto Butantan, com fabricação nacional, sem necessidade de importação.
Os documentos solicitando protocolos dos estudos clínicos 1 e 2 foram encaminhados à Anvisa nesta sexta (23).
A próxima etapa é o pedido para testes em humanos.
A previsão inicial anunciada pelo governador João Doria em março é que a mesma estaria disponível em julho, mas os cálculos foram refeitos e a previsão – na melhor das hipóteses e se tiver o aval da Anvisa – é que ela esteja disponível a partir de setembro.
A Butanvac, primeira vacina 100% fabricada no Brasil, usa o mesmo princípio da vacina da gripe, por meio do ovo.
“A previsão do uso dela para julho é impossível. No mínimo, irá demorar seis meses até ela estar disponível”, adiantou Vecina durante a entrevista.
Quatro dias depois, o diretor do Butantan, Dimas Covas, reconheceu que o prazo dos estudos clínicos irá demorar 20 semanas (5 meses), podendo os primeiros resultados ocorrerem na 16ª/17ª semana (final de agosto).
Conforme Covas, durante coletiva realizada hoje no Palácio dos Bandeirantes, a previsão é que – enquanto os estudos e os procedimentos são encaminhados à Anvisa – é obter a autorização de voluntários para início dos testes clínicos.
De forma paralela, a previsão é que 40 milhões de doses sejam fabricadas até julho pelo instituto (serão necessárias duas doses da Butanvac). Trata-se de uma fabricação sob risco.
Ou seja, dando certo as doses já estão automaticamente prontas para serem aplicadas em humanos. Caso contrário, o lote será perdido.
SUS
Um dos precursores do SUS, Vecina discorreu também sobre a preocupação que o corte de verbas no orçamento impactará ao SUS (o Ministério da Saúde terá R$ 40 bilhões a menos em relação ao ano passado, ainda que a pandemia permaneça) e criticou a Emenda Constitucional 95, aprovada ainda no Governo Temer.
“É possível uma loucura dessas. Vamos condenar o Brasil a uma estagflação (aumento da taxa de desemprego combinado com inflação)”, destacou.
Reabertura de atividades
Profissional de saúde pública, ele também se colocou contrário à reabertura de atividades no Estado de São Paulo.
A partir deste sábado, serviços como bares, restaurantes, academias e áreas culturais retomam suas atividades no Estado.
“Eu acho que foi prematuro. Vamos ficar abrindo e fechando novamente”, salienta.
Kit Covid
De forma didática, o profissional mostrou os riscos existentes em medicamentos tão defendidos por políticos e médicos, sem qualquer embasamento clínico, como ivermectina e cloroquina, dentro do chamado Kit Covid.
Ele explica que 40% dos pacientes Covid-19 não tem sintomas da doença. Outros 40% tem sintomas leves e 20% precisam de internação, sendo 5% vão para a UTI, com alta taxa de mortalidade.
“Ou seja, poderia estar tomando água benta que nada mudaria. Só que quem toma estes medicamentos pode estar piorando o quadro com outros problemas no organismo”, destacou.
Compra de vacinas
Sobre a compra de vacinas autorizadas pelo Congresso, ele refuta esta possibilidade. “Isso é ético”, indaga.
O mesmo ocorreria na luta por estados e municípios. “Seria ótimo que todos pudessem comprar. Mas, com a falta de vacinas no mundo, eu acho que não vão conseguir”, sintetizou.
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