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18 DE MARÇO DE 2011

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Volta por cima

Se a conversa com José Roberto Vieira (foto) fosse por telefone, pareceria se tratar de um papo animado, mas comum, com um ex-árbitro de futsal. Mas não era bem assim, e, certamente, o bom humor, embora seja uma das características de Betão, como é chamado, seja surpreendente, vista sua atual situação. Há apenas dois anos, […]

Por: Da Redação

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Se a conversa com José Roberto Vieira (foto) fosse por telefone, pareceria se tratar de um papo animado, mas comum, com um ex-árbitro de futsal. Mas não era bem assim, e, certamente, o bom humor, embora seja uma das características de Betão, como é chamado, seja surpreendente, vista sua atual situação.

Há apenas dois anos, a agitada vida de Betão, coordenando partidas em salões de todo o território paulista — segundo o próprio, eram cerca de 36, 37 jogos por mês —, virou do avesso. Tido como um dos principais árbitros da região (e do Estado), José Roberto vive hoje em uma cadeira de rodas, com seu dia-a-dia quase restrito a circular pelos cômodos de seu apartamento, nas proximidades do Canal 4, na Avenida Afonso Pena.

Para trás, uma carreira longa, com mais de 20 anos, iniciados após cair no mundo da arbitragem “de paraquedas”. Natural de São Paulo e torcedor da Portuguesa de Desportos, chegou ao universo esportivo em Itanhaém, onde foi convidado para defender a seleção municipal, por onde jogou até os 19 anos. Foi técnico do futsal itanhaense por nove anos, atuando depois na organização de eventos. Foi quando o apito “apareceu” em sua vida, já no fim da década de 80.

“Foi por necessidade. Fiz um curso de arbitragem apenas por fazer, para ter conhecimento da regra e poder fazer os julgamentos dos torneios com respaldo. Mas em um campeonato da cidade, faltou árbitro, e um dia sobrou uma bandeira para mim”, lembra.

Em sua parede, Betão ostenta fotos de sua carreira, além de flâmulas
Em sua parede, Betão ostenta fotos de sua carreira, além de flâmulas

Daí em diante, Betão não largou mais a arbitragem. “A ideia inicial era só atuar em nível amador mesmo. Fui fazer uma final em Mongaguá, e o diretor da Liga Regional, que estava no jogo, gostou e me convidou para apitar na Liga, em Santos. Foi quando comecei a apitar  na região, em todas as categorias”, recorda

O sucesso na carreira era crescente, a ponto de ter conhecido praticamente todo o interior de São Paulo pelo futsal, além de apitado jogos importantes dos Jogos Regionais e dos Jogos Abertos do Interior. “O interior é fanático. Casa cheia e ingresso cobrado todo jogo. Orlândia é a capital do futsal no interior, com direito a telão na cidade”, revela Betão.

Em 2008, viveu seu momento mais marcante: apitar a final dos Jogos Abertos, em Praia Grande. “Foi importante porque somente árbitros da Confederação Brasileira haviam apitado final antes. Foi especial, teve transmissão ao vivo, ginásio lotado”, recorda.

Reviravolta

O destino, porém, prega peças, e no ano seguinte começaram as primeiras dores nas costas. “Fomos a um especialista de coluna, que nos pediu uma ressonância magnética. E a ressonância detectou uma lesão. Em princípio, achava-se que era um tumor benigno, mas depois que um amigo fisioterapeuta me analisou, ele viu que o problema era grave. As pernas falseavam, já não me davam a mesma firmeza”, conta.

Em julho de 2009, parou de vez de apitar, e em outubro, Betão fez a primeira cirurgia. “Foi uma cirurgia de fixação. Coloquei quatro barras de titânio e dez parafusos na coluna. Voltei a andar, mas precisava esperar a calcificação do osso, que me permitiria retornar às quadras ainda naquele ano”, relata.

Não foi o que aconteceu. Em março, as dores retornaram e com elas, identificou-se a doença: um “cordoma”. Trata-se de um tumor raro, que não se alastra a outros órgãos do corpo humano, mas expande de tamanho e já estava pressionando a medula óssea. “O médico dizia, em linguagem mais popular, que era o mesmo que um primo pobre querendo ser um primo rico. Ou seja, era um tumor benigno pior que um maligno, mais agressivo que um câncer”, retoma.

A cirurgia para a retirada, realizada em julho do ano passado, não adiantou. Além do tumor não ter saído por completo (sobraram 20% alojados), em dois meses, o cordoma voltou ao tamanho normal. “Cheguei até a andar de novo, e estava voltando para a bengala, mas dois meses depois fui tomar banho e quase caí. Uma semana depois não andava mais”, lembra.

Uma nova cirurgia foi descartada. “Os médicos explicaram que não há um número de casos registrados suficientes para que se pudesse comprovar a eficácia do tratamento. Tive que parar um dos pulmões, pois a cirurgia era feita imediatamente abaixo dele. E nesses dois meses que o tumor cresceu, a medula foi lesionada, por isso hoje falta oxigenação nela. O que me levou à cadeira de rodas”, relembra.

José Roberto insiste que não mudou após o último baque, mas mostra que o incidente acabou afastando alguns antigos amigos. “Sempre fui bricalhão, tirador de sarro, mas é a menor parte do pessoal da época de árbitro que aparece. Acho que as pessoas talvez tivessem pensado que eu iria mudar, me tornar outra pessoa, que eu fosse tratar mal quem viesse aqui ou virar alguém revoltado com a vida. Mas não aconteceu”, salienta.

O que não significa que Betão passe por momentos difíceis. Afinal, apesar de assumir que está “conformado” com a atual situação, o ex-árbitro enfatiza: tudo é ainda muito recente. Em textos que ele próprio escreveu ao longo dos últimos meses, José Roberto mostrou um pouco do que passa em seu íntimo, por trás do bom humor que transparece em seu exterior, e admite que ainda está catando “os cacos de vida ” espalhados no chão. “Claro que tem horas que é difícil. Nunca dependi muito de ninguém, hoje dependo muito da minha esposa”, admite.

Luta

Companheira de Betão, Deborah Rodrigues sofre junto com o marido. Também árbitra (cronometrista), trabalha em uma loja de roupas femininas em um prédio comercial, na Avenida Pedro Lessa. É quem o auxilia no processo de adaptação à nova realidade, e que, para tal, busca ajudá-lo a retomar pelo menos um pouco da vida para além das quatro paredes de seu apartamento.

“Comecei a fazer um projeto, de noites gastronômicas. Em fevereiro, fizemos uma noite da pizza. Em março, pretendemos fazer uma noite italiana. O evento estava previsto para 26 de março, mas pode ser que mude pra abril, pois ainda estamos atrás de alguém que possa ceder o lugar”, conta.

O objetivo é angariar recursos para a compra de um carro adaptado para que Betão possa sair de casa. “Não temos carro, então dependemos de amigos para ir ao médico, assinar papeis. Mas é difícil com o carro normal. A porta não abre o suficiente, e ele é grande e pesado”, explica.

“A ideia é colocar a cadeira dentro do veículo, para ele poder ir ao médico sem dependermos dos outros, por exemplo. Além disso, ele era atleta, e ficará mais fácil para voltar a passear na praia”, acredita Deborah. Os valores, porém, são elevados. Uma perua Fiat Doblô usada, totalmente adaptada – que é o desejo do casal -, está em torno de R$ 28 mil a 32 mil. Já uma zero quilômetro sai por volta de R$ 60 mil.

Expectativas

Enquanto isso, Betão tenta, como em suas palavras, “catar um caco” de cada vez. “Moramos no primeiro andar, com escada, sem elevador. O que dificulta a saída, fazendo com que a vida esteja quase que restrita ao apartamento. Mas já estamos começando a ensaiar para descer as escadas sentado, até chegar na cadeira lá embaixo para poder sair. Hoje já estou mais ágil para passar para a cadeira”, comenta, rechaçando retornar às quadras em outra função.

“Podia até trabalhar na mesa, como minha esposa, mas um árbitro que trabalhou 20 anos na quadra ficar na mesa não é a mesma coisa. É um negócio sem emoção, sem adrenalina. Tiraria a paixão e o prazer. Seria por dinheiro, por obrigação. Trabalhar sem ser algo que eu gosto”, diz.

Fora do salão, porém, não rechaça trabalhar como comentarista, ou, com a vinda do veículo adaptado, participar da Corrida de São Silvestre entre os cadeirantes. “Pretendo voltar a praticar esportes. Quando se é mordido por esse bichinho, não tem volta!”, brinca, aos risos.

Perspectivas, aliás, não faltam. Outro passo vislumbrado é o de ir ao Centro de Treinamento Sarah Kubitscheck, em Brasília (DF). “É para pessoas lesionadas. Vão te adaptar a uma vida que eu não vou ter como me adaptar por aqui. Vão ensinar a fazer de tudo em cima da cadeira de rodas. E trabalham lá com basquete, natação, etc… Vamos ver”, aguarda.

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