O Porto de Santos marca, essa semana, os seus 130 anos. Data notável para o maior porto do Brasil e da América do Sul. Semana passada, o Brasil comemorou outro aniversário: o de 214 anos da Abertura dos portos no Brasil. Vamos examinar neste artigo esse episódio, e mostrar a importância do livre comércio.
A Abertura dos Portos no Brasil, em 28 de janeiro de 1808, foi um evento importante e transformador para a evolução econômica do Brasil. Não só representou um importante passo de modernização como foi também um golpe mortal no colonialismo português que pautava a colônia brasileira.
O contexto geopolítico, econômico, financeiro e comercial foi instrumental para dar maior significado à “abertura dos portos”. A Abertura foi consolidada num período em que o mundo iniciava seus primeiros passos para a época de “global trade” e “free trade” do século XIX.
Visto pela ótica do pensamento econômico, marcou a alçada de importância para questões de política econômica dos principais nomes da Escola Clássica Inglesa, e da respeitabilidade do uso da teoria econômica para clarificar e aprofundar logicamente os temas de política econômica em debate.
Do ponto de vista da macroeconomia e comércio internacional, a Abertura dos Portos no Brasil e a extraordinária redução tarifária decretada representaram o primeiro grande evento mundial da era do Free Trade.
Com efeito, as tarifas estavam na essência do Mercantilismo, como barreira protecionista. A Abertura dos Portos contrariou frontalmente a lógica mercantilista, e decretou o fim da era mercantilista portuguesa na sua colônia americana.
Em 28 de janeiro de 2008 Portugal decretou a Abertura dos Portos da sua colônia brasileira. Foi um episódio extraordinário naquela época, em que praticamente todos os países europeus adotavam políticas mercantilistas. Qual o significado para os dias de hoje desse episódio ocorrido há 214 anos atrás? E o que dizer sobre sua conexão com a Independência do Brasil, que neste ano comemora 200 anos?
A Abertura dos Portos no Brasil, em 28 de janeiro de 1808, foi mais do que um simples procedimento burocrático. Não só representou um importante passo de modernização como foi também um golpe mortal no colonialismo português que pautava a colônia brasileira.
As Tarifas estavam na essência do Mercantilismo, como barreira protecionista. A Abertura dos Portos contrariou frontalmente a lógica mercantilista, e decretou o fim da era mercantilista portuguesa na sua colônia americana.
No final das contas, a Grã-Bretanha foi a grande beneficiária, pois ganhou novos mercados sem necessitar a intermediação portuguesa na sua “de facto” possessão brasileira. No Brasil, ganharam os consumidores, com produtos de consumo mais baratos e diversificados.
Por outro lado, tornou muito difícil, sem o protecionismo tarifária, criar indústrias próprias. Finalmente, o grande perdedor foi Portugal, pois reduziu seus mercados e abdicou as receitas vindas da tarifa de importação.
A movimentação comercial, cultural e ideológica na direção de apoiar o livre comércio surgiu na Europa em fins do século XVIII e começos do século XIX, no contexto da industrialização, segurança dos mares e da evolução dos transportes, principalmente marítimos, e das comunicações. O somatório desses eventos conduziu a um expressivo aumento nos fluxos de exportação e importação entre os países.
O movimento de ideias que difundiu e consolidou o “livre comércio” se deve muito a dois autores da economia clássica: Adam Smith e David Ricardo[1]. Adam Smith (1723 – 1790) foi um filósofo e economista britânico nascido na Escócia, com destacada atução no período Iluminista (século XVIII).
É considerado o mais importante teórico do liberalismo econômico. Sua principal obra foi “Uma Investigação sobre a Natureza e a Causa da Riqueza das Nações”.
Nessa obra, Smith faz pesadas críticas ao Mercantilismo. O comércio internacional era o ponto alto da doutrina mercantilista, que destacava também o papel da moeda e das finanças nesse contexto.
Os mercantilistas argumentam que a riqueza de uma nação está associada aos seus estoques de dinheiro, principalmente os metais preciosos. Nessa lógica, as saídas de dinheiro que saiam do país resultam numa perda de riqueza nacional. Como resultado, os mercantilistas defendem políticas comerciais protecionistas.
Smith se contrapõe à essas ideias. Para Smith, a causa da riqueza das nações seria a divisão do trabalho, que permite especialização e ganhos de produtividade.
Segundo ele, a riqueza se consubstancia pelos bens e serviços reais trocados no mercado, em que o papel do dinheiro seria apenas servir como meio de troca nas transações comerciais.
David Ricardo, economista inglês (1772-1823), foi um dos principais teóricos econômicos da Economia Clássica. Vindo de experiência prática como corretor da Bolsa de Valores de Londres, complementado por estudos e escritos teóricos sobre a economia, tornou-se político, parlamentar na Câmara dos Lordes.
David Ricardo defendeu a ideia de que o comércio era uma das principais fontes para o enriquecimento e o desenvolvimento de uma nação. Visto pelo ponto de vista dos consumidores, eles seriam beneficiados pela maior produção de bens em um país, ao aumentar a quantidade disponível e reduzir os preços dos produtos.
A Teoria das Vantagens Absolutas, desenvolvida por Adam Smith e a Teoria das Vantagens Comparativas, desenvolvida por David Ricardo, procuraram explicar as razões do comércio e de seu padrão. Para Smith, o comércio entre duas nações baseia-se nas vantagens absolutas.
Quando uma nação é mais eficiente do que a outra na produção de uma mercadoria (ou seja, tem vantagens absolutas), porém é mais ineficiente do que a outra na produção de uma segunda mercadoria, então os dois países podem ganhar caso se especializem cada um naquela mercadoria em que tenham vantagens absolutas.
Ao trocarem essas mercadorias entre si, os dois países ganham com o comércio internacional. O nível de produção conjunta das duas nações seria maior após o comércio internacional. Em consequência, o total consumido e esses ganhos com a especialização poderiam ser potencialmente divididos entre elas.
Em 1817, David Ricardo publicou seu livro intitulado Princípios de Economia Política e Tributação, no qual apresentou o conceito de vantagens comparativas.
De acordo com a chamada Lei das Vantagens Comparativas, mesmo se um país for menos eficiente que um outro na produção das duas mercadorias (ou seja, mesmo quando tiver uma desvantagem absoluta nas duas), ainda assim haveria uma base para um comércio mutuamente benéfico.
Esse país poderia se especializar na produção e exportação da mercadoria em que sua desvantagem absoluta fosse menor (ou seja, no bem ou serviço que tivesse uma vantagem comparativa) e passar a importar o bem em que sua desvantagem absoluta fosse maior, ou seja, aquele que tivesse uma desvantagem comparativa.
A Abertura dos Portos no Brasil foi fruto de intensas negociações (e imposições) entre a Grã-Bretanha e Portugal. O reultado foi a assinatura por Portugal do Decreto de Abertura dos Portos às Nações Amigas.
Foi uma carta régia promulgada pelo Príncipe-regente de Portugal Dom João de Bragança, no dia 28 de janeiro de 1808, em Salvador, na Capitania da Baía de Todos os Santos. A carta foi promulgada em solo brasileiro, em Salvador, Bahia. A frota real partiu de Portugal para escapar da invasão francesa, no contexto da Guerra Peninsular. A Carta Régia foi promulgada apenas quatro dias após a chegada da família real e da nobreza portuguesa ao Brasil.
Por esse decreto era autorizado a abertura dos portos do Brasil ao comércio com as nações amigas de Portugal. O principal beneficiário – e inspirador dessa medida – foi a Inglaterra. Essa foi a primeira experiência liberal do mundo após a Revolução Industrial, marcando efetivamente o início da era do “free trade”.
Em 1810 vieram outras medidas de estímulo comercial. O Tratado de Cooperação e Amizade de 1810 era composto por dois conjuntos de atos, o primeiro de aliança e amizade (com 11 artigos e dois decretos) e outro de comércio e navegação (com 34 artigos).
Na prática, esse tratado trouxe ainda maiores benefícios comerciais ao Reino Unido A Inglaterra, por meio dessas medidas, se tornou a mais importante parceira comercial do Brasil
A Abertura dos Portos no Brasil, de 1808, baseou-se em dois importantes mecanismos. Primeiro, uma significativa redução das tarifas de importação, tão impactante que as alíquotas cobradas eram inclusive inferiores às cobradas pela Grã-Bretanha, a “campeã” do livre comércio. Segundo, permitiu que outras nações entrassem nos portos brasileiros, cessando o monopólio que era a essência do colonialismo português.
Fazendo-se um balanço final das perdas e danos para as três partes envolvidas no Episódio examinado neste artigo, conclui-se que:
· No final das contas, a Grã-Bretanha foi a grande beneficiária, pois ganhou novos mercados sem necessitar a intermediação portuguesa na sua “de facto” possessão brasileira;
· No Brasil, ganharam os consumidores, com produtos de consumo mais baratos e diversificados. Por outro lado, tornou muito difícil, sem o protecionismo tarifária, criar indústrias próprias;
· Finalmente, o grande perdedor foi Portugal, pois reduziu seus mercados e abdicou as receitas vindas da tarifa de importação.
Voltando a falar do aniversário de 130 anos do Porto de Santos, o paralelo a ser feito é que por trás do desenvolvimento portuário está o comércio internacional, e quanto mais livre for esse comércio, maior será a pujança do porto. Para obter esse consenso, no entanto, a economia mundial passou por uma longa evolução no campo das ideias, e a Abertura dos Portos no Brasil deve ser celebrada nesse contexto.
Pedro Carvalho de Mello é diretor de Pesquisas e Professor da Strong Business Scholl.
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