O presidente do Sindicato dos Médicos de Santos, Eloi Guilherme Provincialli Moccelin, se preocupa com a explosão da oferta de vagas nos cursos de Medicina, que mais que duplicaram nos últimos anos no Brasil. E na região não é diferente. “É algo desordenado”. Assim, ele refuta aqueles que acreditam que a abertura de mais cursos vai melhorar a qualidade no atendimento à população da cidade.
“É uma ideia equivocada”, destaca. O médico cita o Relatório Flexmer, criado há mais de um século pelo médico Abraham Flexner, sobre ensino de Medicina, com seus prós e contras. “Médicos maus treinados decorrem de faculdades ruins”, salienta.
E teme que o Brasil siga os mesmos passos que ocorreu na Inglaterra nos anos 60, quando houve uma explosão de cursos de Medicina, sem o devido mercado para estes profissionais. Foram impostas restrições e hoje o país é considerado modelo mundial na área.
Assim, com a liberação de vagas e cursos pelo Ministério da Educação nos últimos anos, com as devidas facilidades (os que têm boas notas têm autonomia para criar campus avançados), cidades pequenas do País abrigam cursos de Medicina, alavancados pelos interesses políticos, econômicos e de autonomia universitária, sem aval por parte dos conselhos e sindicatos dos médicos.
Eloi cita o caso da pequena Goiatuba, no interior do Goiás, onde um centro universitário mantém um curso de Medicina com 120 vagas (1º ano), graças às facilidades de expansão das atividades garantidas pelo Ministério da Educação. Detalhe: a cidade tem menos de 35 mil habitantes. “Virou um grande mercado”, lamenta. O profissional teme que o crescimento do número de médicos no Brasil não acompanhe a qualidade dos cursos garantindo um melhor preparo aos futuros profissionais.
“Haverá a precarização do trabalho e a população será a mais prejudicada”, enfatiza. “Vamos assistir a uma autofagia com os médicos brigando para ocupar espaços”, lamenta. Segundo ele, a ampliação do número de faculdades de Medicina não contribuiu para a fixação dos profissionais nos rincões do País. “Muitos vão para os grandes centros para fazer residência, onde há melhor estrutura”, enfatiza. E muitos nem conseguem este objetivo, pois o crescimento de residências médicas não acompanha o volume de profissionais que saem das faculdades, limitando-se ao atendimento ambulatorial.
Números
Em duas décadas, o número de médicos mais que dobrou no Brasil. Eram 230.110 profissionais em 2000 e em 2020 (dados mais atualizados) chegavam a 502.475. Assim, a relação médico por mil habitantes subiu de 1,41 para 2,4. Os dados fazem parte do estudo Demografia Médica do Brasil 2020, resultado de um trabalho conjunto do Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Universidade de São Paulo (USP).
Tais números tendem a crescer ainda mais nos próximos anos diante da abertura de cursos nos últimos anos. “Em 1995, quando me formei, eram 18 faculdades de Medicina no Estado de São Paulo”, recorda. Hoje, são 68, segundo dados do portal Escolas Médicas do Brasil.
Confira o quadro
Total de Escolas Médicas 354
Total de vagas no 1º ano 35536
Estudo comparativo: Estado / Nº de Escolas / Nº Vagas
Estado | Total de Escolas | Vagas no 1º ano |
---|---|---|
SP | 68 | 7846 |
MG | 48 | 4942 |
BA | 24 | 2364 |
RJ | 22 | 2789 |
PR | 22 | 2239 |
RS | 20 | 1803 |
SC | 17 | 1147 |
GO | 15 | 1458 |
PE | 14 | 1384 |
PB | 9 | 985 |
CE | 8 | 1093 |
MA | 8 | 623 |
TO | 8 | 578 |
PA | 8 | 810 |
MT | 7 | 481 |
PI | 7 | 631 |
RN | 6 | 585 |
RO | 6 | 375 |
ES | 6 | 718 |
DF | 6 | 536 |
MS | 5 | 388 |
AL | 5 | 495 |
AM | 5 | 585 |
SE | 4 | 320 |
AC | 3 | 161 |
RR | 2 | 140 |
AP | 1 | 60 |
Algumas contam com campus avançados. Caso da Uninove, com 5 campus espalhados pela Grande SP, e que oferece 858 vagas no primeiro ano.
A desproporção chama a atenção. Ao todo, segundo o portal, existem no Brasil 354 escolas médicas, totalizando um oferta de 35.536 vagas apenas para Medicina. Deste total, a proporção é questionável. São Paulo, com 68 campus/instituições e 7846 vagas, tem 44 milhões de habitantes. Já Minas Gerais, com 21,4 milhões de pessoas, tem 48 instituições e 4.942 vagas.
Mais que o dobro do Rio de Janeiro, com 22 instituições e 2.789 vagas de ensino de Medicina para alunos do primeiro ano. O estado abriga 16,5 milhões de brasileiros .
Em termos proporcionais na relação vagas/habitantes, a menor diferença ocorre com o estado de Tocantins: 3.025 moradores/vaga de Medicina. São Paulo tem 5.612 – quase o dobro. Estudar Medicina também não é barato. Ao contrário.
Segundo o portal Escolas Médicas, os valores variam de R$ 12.850,00 (São Leopoldo Mandic) a R$ 3.641,24 (Centro Universitário Urirg – Gurupi – TO). Das 354 escolas de Medicina, 59,6% são particulares (211), 21,7% federais (77), 10,2% estaduais (36), 5,7% municipais (20) e 10 (2,8%) públicas.
Na região, segundo o portal, são ofertadas 380 vagas por vestibular.
São Judas Tadeu – Cubatão (60)
Unoeste (60)
Unaerp (60)
Unilus (100)
Unimes (100)
No entanto, algumas instituições oferecem vestibular semestral, ampliando o total de oferta de vagas. Sem contar que há transferência de alunos no meio do curso, com abertura de vagas que não foram preenchidas, ampliando assim a oferta para quem deseja estudar Medicina.
Baixada Santista
Com a chegada de três novos cursos de Medicina na Baixada Santista (são 5), a região lida com um cenário preocupante para os próximos anos. Afinal, haverá muito mais alunos do que as vagas para o chamado internato, gerando dificuldades para a aprendizagem dos universitários. No começo deste ano, alunos de Medicina da Unilus protestaram contra o fim da parceria da universidade com o Hospital Guilherme Álvaro, após quase 50 anos. Vale destacar que o hospital abriu um edital, onde a Unilus ficou em terceiro lugar, atrás da Unaerp e Unoeste.
Com isso, os poucos estudantes da Unilus que ainda estão no HGA terão que dividir o espaço de internato no próximo ano, com os alunos das universidades de Guarujá que vão estar em maior número.
De acordo com um dos estudantes, que não quis se identificar, a situação já está difícil, pois os alunos ficaram sem acompanhamento de cirurgia pediátrica. Assim, os jovens do 3º ano saíram do Hospital Guilherme Álvaro e foram realocados para a Beneficência Portuguesa. “A gente se divide nas segundas-feiras, pois não dá para ser o grupo todo. A situação está difícil”, citou. “O sentimento é que a gente perdeu o nosso espaço. Anteriormente, a gente passava no Pré-Natal todos os dias, hoje só às terças e sextas”, complementou.
A maior preocupação para os universitários é em relação ao processo de formação acadêmica, uma vez que a Medicina não permite erros após a graduação. Com isso, o momento de aprendizagem na prática é essencial para os alunos.
Residência Médica
Além do internato, a oferta de residência médica – após a conclusão do curso – se tornou baixa na região diante da demanda crescente de vagas (na prática, conforme divulgação em suas campanhas publicitárias são quase 500/ano divididas entre Unilus, Unimes, Unaerp, Unoeste e São Judas Tadeu).
A Reportagem perguntou às prefeituras da Baixada Santista, questionando o número de vagas ofercecidas; Santos e São Vicente responderam que oferecem 10 vagas para médicos residentes. Enquanto, Guarujá conta com oito médicos inscritos na residência. Peruíbe e Mongaguá destacaram que não têm vaga de residência médica, pois não há curso de Medicina no município. Outras cidades não responderam.
Universidades
A reportagem entrou em contato com todas as universidades dos cursos de Medicina, da Baixada Santista, questionando informações sobre o processo do internato.
Apenas a Unoeste e a Unaerp, ambas de Guarujá, responderam até o fechamento. A Unoeste informou que o internato inicia no 9º termo, ou seja, nos dois últimos anos do curso. A primeira turma de Medicina Unoeste está indo para o 8º termo, portanto, os alunos iniciarão no internato no próximo ano. De qualquer forma, a universidade já possui os convênios com as instituições e contemplará todos os futuros médicos.
O curso de Medicina da Unoeste tem ambulatórios didáticos desde o 6º termo; além dos convênios com o Hospital Santo Amaro, Hospital Municipal de Bertioga, Santa Casa de Santos e Hospital Irmã Dulce”.
A universidade também destacou que todas as atividades de internato serão feitas na Baixada Santista. “Estão planejadas para serem feitas nas cidades de Guarujá, Bertioga e Santos, mas também temos o convênio com a cidade de Praia Grande”.
A Unaerp Campus Guarujá ressaltou que oferece o curso de Medicina com formação centrada no estudante e uso de metodologia ativa de aprendizagem baseada em problemas (método PBL).
“Os alunos são inseridos desde a primeira etapa no Sistema Único de Saúde (SUS) e ao longo do curso participam de atividades em 15 locais conveniados, entre hospitais e em unidades da rede de saúde da Baixada Santista. Isso dá aos estudantes a visão real do exercício profissional no contexto regional, inserção esta que contribui para o atendimento à população local”. As demais não responderam à Reportagem.