Sempre gostei de Rolando Boldrin!
Como ator, ele atuou em vários filmes e, principalmente, novelas, sempre expressivo e eclético, presença e voz poderosos. Seu Barão Leôncio, em “Os Deuses estão Mortos” (TV Record, 1971) foi, em minha opinião, seu papel mais emblemático!
Também cantor e contador de “causos”, protagonizou vários programas sobre música e cultura regionais brasileiras em todas as principais emissoras de canal aberto: “Som Brasil” (TV Globo, 1981-1984), “Empório Brasileiro” (1984-1986), “Empório Brasil” (SBT, 1989-1990), “Estação Brasil” (TV Gazeta/Rede CNT, 1995-1996) e “Sr. Brasil” (TV Cultura, 2005-2022), seu mais longevo.
Num palco pequeno, a iluminação minimalista, com a plateia bem próxima, dava um ar intimista e aconchegante, como se estivéssemos numa “roda de viola” ou “galpão crioulo”, só que com um pouco mais de sofisticação cênica.
A proposta desses programas sempre foi a mesma: mostrar manifestações culturais das diversas regiões do Brasil, com Boldrin assumindo seu sotaque e vocabulário caipiras. “Vancê” que o diga!
O tema de abertura era velho conhecido: “Corre um boato aqui, donde eu moro, que as mágoas que eu choro são mal ponteadas…”.
Seus convidados incluíam grandes autores, instrumentistas fantásticos e intérpretes consagrados, trazendo clássicos da música brasileira tradicional, tão diversificada quando bela.
Mas também pontuavam artistas populares maravilhosos, de todos os rincões do país, trazendo seus ritmos, cores e danças.
Como seus programas eram precisos e preciosos, ainda mais em tempos onde estrangeirismos e indigência cultural proliferam e imperam, com poucas opções!
Quando Boldrin contava “causos” ou recitava poemas, imergia de tal forma nas estórias, que emocionava quem o via e ouvia do riso aberto às lágrimas, que também vertia, como se fossem suas: empatia poética!
Tive a vã esperança de ouvi-lo recitar um de meus poemas em seu programa. Enviei à produção do programa três: “O Destino das Pedras”, “Berrante e Viola” e “Benza Deus!”, em janeiro deste ano. Muita pretensão, a minha.
No entanto, meu filho, Guilherme Algon, teve melhor sorte: foi convidado a participar da produção do especial “Eu, a viola e Deus” (TV Cultura, 2022), celebrando os 85 anos de Rolando Boldrin.
Responsável pela edição, Gui teve a honra de trabalhar com o consagrado diretor João Batista de Andrade, amigo de longa data de Boldrin, que já o havia dirigido em “Doramundo” (1978), uma das obras mais marcantes de ambos.
O documentário conta um pouco da história desse notável e querido artista, que ainda aparentava estar em plena forma. Parecia que ainda viveria muito, com o mesmo vigor e brilho. Viveu só mais um ano…
Mas recebeu “flores em vida” em sua terra natal, São Joaquim da Barra.
Como diz o poema de Vinícius de Moraes: “Se eu morrer antes de você”, que Boldrin tão bem recitava, sua partida nos entristece por demais, mas lhe devemos o favor de não brigar com Deus por Ele tê-lo levado, e de seguir o conselho de orar para que nós vivamos como quem sabe que vai morrer um dia, e que morramos como quem soube viver direito.
Rolando Boldrin soube viver e não consta que sua vida tenha sido “marvada”, como a da música e de personagens de alguns dos poemas sertanejos que declamou.
Ainda seguindo os versos de Vinícius, foi cuidar de sua nova tarefa no céu.
“Sodade de vancê”, Boldrin!
E fica o recado para quem fale que ele não soube viver:
Chegue lá, no céu, que há de encontrá-lo num cateretê: ele, a viola e Deus!
Adilson Luiz Gonçalves é escritor, engenheiro, pesquisador universitário e membro da Academia Santista de Letras
Deixe um comentário