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Opiniões

25 DE JULHO DE 2023

Tragédia anunciada

Por: Da Redação

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Nas últimas semanas, a agressão a uma médica, em um hospital no Rio de Janeiro, que resultou na morte de uma idosa ganhou as manchetes da mídia brasileira.

Nesse caso, um homem – sem ferimentos graves – e sua filha estavam insatisfeitos com a demora no atendimento e descontaram na profissional que estava sozinha no plantão para atender 60 pacientes.

Em outro caso, aqui pertinho, em Peruíbe, um homem foi preso após agredir policiais militares na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do Centro, isso depois de criar confusão por querer ser atendido antes de outros pacientes.

Casos de violência contra profissionais de saúde vem ganhando cada vez mais expressão, tanto no sistema público quanto privado de saúde como reflexo do crescimento da violência, em geral, bem como na demora no atendimento, reflexo da falta de estrutura, de insumos ou de funcionários.

Pesquisa realizada pelo Datafolha em 2015 (Percepção da Violência na relação médico-paciente) já indicava que no Estado de são Paulo, 64% dos médicos já tomaram conhecimento ou vivenciaram episódios de violência por parte de pacientes ou acompanhantes.

Ainda segundo dados da pesquisa, os médicos consideram como principais causas das agressões o comportamento dos pacientes (39%), que estariam insatisfeitos com a Saúde Pública e descontam nos profissionais.

Outros 29% disseram que o problema é o atendimento no hospital, com muita demora e que, com isso, o paciente entra no atendimento estressado porque há muitos pacientes e poucos médicos.

A falta de estrutura, com hospitais superlotados e sem suporte para atendimento, foi apontada por 11% dos entrevistados.

Já 5% admitem que os episódios acontecem por conta do comportamento dos médicos, que os colegas não atendem como deveriam, não examinam, não dão atenção ou erram diagnósticos.

Por outro lado, na visão de 41% dos cidadãos paulistas, a principal causa das agressões sofridas por médicos é o atendimento (demora, stress, muitos pacientes para poucos médicos, consultas muito rápidas e superficiais).

O mais triste é constatar que esses números aumentaram ao longo dos anos e mesmo com todos os alertas das entidades que representam os profissionais de saúde, casos de violência continuam
ocorrendo sem efetivas providências do poder público, ao custo de vidas humanas.

Um bom exemplo dessa ineficiência das autoridades em identificar possíveis gatilhos para a violência contra profissionais de saúde e buscar soluções a curto prazo é o que vem ocorrendo no Hospital do Vicentino (HDV), em São Vicente.

No último dia 26 de maio, o Sindicato dos Médicos de Santos, São Vicente, Cubatão, Guarujá e Praia Grande (Sindimed) apresentou junto ao Ministério Público do Trabalho (2ª Região) denúncia contra o HDV por diversos problemas com os neurocirurgiões que atuam no local, incluindo a falta de profissionais para compor as equipes e condições de trabalho precárias, que colocam em risco não só o atendimento e a saúde da população, mas podem gerar violência contra os funcionários que estão nos plantões.

Entretanto, até o momento, as autoridades locais não tomaram providências ou retornaram as missivas do sindicato, levantando a perspectiva de uma possível tragédia anunciada.

Juridicamente, a falta de médicos necessários à absorver toda a demanda de pacientes nos hospitais pode causar consequências para os próprios profissionais, que por não conseguirem dar um
atendimento adequado, trabalham na iminência de serem acusados de eventuais erros médicos, responsabilidade esta que deve ser imputada exclusivamente aos respectivos hospitais, tendo em vista que, de acordo com o Código de Ética Médica, para exercer a Medicina com honra e dignidade, o médico necessita ter boas condições de trabalho, bem como pode recusar-se a exercer sua profissão ou suspender suas atividades em instituição pública ou privada onde as condições de trabalho não sejam dignas, possam prejudicar a própria saúde ou a do paciente, ou não sejam adequadas ao exercício profissional, situação comum nos dias atuais.

É importante lembrar ainda que, segundo o Código de Ética Médica, é direito do profissional indicar o procedimento adequado ao paciente, e decidir, em qualquer circunstância, levando em consideração sua experiência e capacidade profissional, o tempo a ser dedicado ao paciente, evitando que o acúmulo de encargos ou de consultas venha a prejudicá-lo, o que é impossível, diante do panorama que vem ocorrendo em muitos hospitais e pronto atendimentos.

Será que é tão difícil nossos governantes entenderem que se as condições de atendimento à Saúde fossem adequadas – com quantidade suficiente de médicos, medicamentos, aparelhos e leitos, a
situação seria diferente, além de maior regulamentação e fiscalização dos locais de trabalho, capacitação dos todos os profissionais e campanhas informativas –, haveria redução dos episódios
de agressão?

Até quando profissionais de saúde estarão vulneráveis em seus ambientes de trabalho?

Elói Guilherme P. Moccellin é médico e presidente do Sindicato dos Médicos de Santos, São Vicente, Cubatão, Guarujá e Praia Grande (Sindimed)

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