No site do Senado, até terça-feira (4) à noite, 150.490 pessoas já assinalaram serem contrárias à Proposta de Emenda à Constituição 3/22, conhecida como PEC das Praias.
E apenas 2.063 se mostram favoráveis.
Já às 14h30 desta quarta (5), Dia Mundial do Meio Ambiente, eram 153.614 brasileiros contra e 2.124 favoráveis.
Uma sonora goleada – e ampliando.
A diferença mostra que a sociedade se mobiliza contra a proposta, que encontrou respaldo de 377 parlamentares (80%) na votação em fevereiro de 2022.
Ou seja, na legislatura anterior, quando a Baixada Santista contava com dois parlamentares eleitos: Rosana Valle, então no PSB, e Jr Bozzella, no PSL.
Outro parlamentar, que era suplente, também votou de forma favorável: Marcelo Squassoni (União)
Aliás, todos votaram a favor do projeto na ocasião.
PEC das Praias
A PEC das Praias, como ficou conhecida, ganhou repercussão na última semana após divulgação da sessão na CCJ – Comissão de Constituição e Justiça no Senado por ambientalistas, surfistas e pesquisadores.
A proposta é defendida por deputados e senadores, especialmente de partidos de direita e extrema direita, pois transfere o poder das áreas de marinha para estados e municípios.
Há o temor da proposta ‘passar a boiada‘, expressão dada pelo ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, no governo Bolsonaro.
E permite também que ‘a título de boa fé’ pessoas que ocupem estas áreas há cinco anos antes da promulgação da lei tenham direito à área, com possibilidade de ressarcimento/abatimento dos valores pagos à União.
A alegação é que milhares de brasileiros pagam taxa de laudêmio à União, nascida no período do Império – ou seja, há quase dois séculos -, e várias deles moram hoje em áreas periféricas – como ocorre em imóveis na Zona Noroeste, em Santos.
Além disso, conforme os favoráveis à proposta, a União não cumpre seu papel e permite que extensas áreas permaneçam abandonadas ao longo do litoral, atrasando o desenvolvimento das regiões e do País.
Consideram terrenos de marinha uma extensão de 33 metros, medidos horizontalmente para a parte da terra, da posição da linha da preamar-média de 1.831.
Os possuidores de imóveis localizados em áreas de marinha dividem-se em dois tipos.
Os ocupantes, com direito de ocupação são a maioria, e os foreiros, que têm contratos de foro e possuem mais direitos que o ocupante, pois têm também o domínio útil.

Projeto encontra-se no Senado, mas presidente da Casa, Rodrigo Pacheco, diz que não irá colocá-lo em pauta tão cedo. Foto: Waldemia Barreto/Agência Senado
Sem limites
No entanto, a lei não impõe qualquer limite de renda para atender especialmente a população mais carente.
Apenas cita que a transferência das áreas será gratuita, no caso de áreas ocupadas por habitação de interesse social e que ocupam serviços públicos.
No entanto, nada impede que posteriormente tais áreas sejam repassadas para terceiros, que já podem ser pessoas ou grupos que não se encaixam no perfil social pretendido.
Além disso, não há limitação do tamanho de área – ou seja, atinge do morador mais simples, com um pequeno imóvel, até grandes corporações/empreendimentos com áreas espalhadas pelo litoral brasileiro – em especial no Nordeste.
Tanto que na sessão do CCJ no Senado, o exemplo que os defensores da proposta colocaram foi o Copacabana Palace, no Rio de Janeiro, que paga o laudêmio por estar em frente à praia que lhe empresta o nome.
Abaixo, assista ao vivo da sessão da CCJ do Senado sobre o assunto.
E isso pode resultar na entrega de áreas federais para terceiros.
Além dos impactos ambientais que podem trazer.
Algo que ficou ainda mais evidente após a tragédia no Rio Grande do Sul.
Sem contar o risco da expulsão das populações caiçara e indígena, que vivem em locais pouco ou quase inexplorados.
Aliás, por coincidência ou não, pouco antes da sessão da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, o jogador Neymar anunciou parceria com a Due Incorporadora na construção do chamado Caribe Brasileiro.
https://www.kwai.com/discover/neymar-caribe-brasileiro
Ao todo, serão 28 empreendimentos, com residências de alto padrão, ao longo de 100 quilômetros nos litorais de Pernambuco e Alagoas.
Internautas resgataram o vídeo do atleta (veja acima) e associaram o anúncio feito nas redes sociais com o projeto, pois ele poderia, em tese, se beneficiar com a derrubada do artigo na Constituição.
Tanto jogador como a empresa negam as acusações.
Neymar e Luana
O embate ganhou ainda mais projeção após acusações entre o atleta e a atriz Luana Piovani nas redes sociais.
Diante da repercussão, o tema saiu do palco das discussões de ambientalistas, pesquisadores e políticos de esquerda que temem o ‘liberou geral’ em áreas preservadas do litoral brasileiro para outros setores da sociedade. (confira o teor projeto)
Além disso, os números apresentados no início deste texto revelam bem que o assunto ganhou dimensão e preocupação de parcela significativa da sociedade brasileira.
A ponto do próprio presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD/MG), ter se antecipado ao afirmar que não irá pautar a proposta tão cedo.
Ampla maioria dos deputados
No entanto, antes de chegar ao Senado, o projeto, apresentado em 2011 pelo então deputado ex-deputado federal Arnaldo Jordy (Cidadania-PA), autor da chamada PEC (Proposta de Emenda à Constituição) das praias, foi, enfim, votado em fevereiro de 2022 na Câmara Federal.
Aliás, o ex-parlamentar usou as redes sociais para criticar a deturpação da proposta.
Realmente, nada consta no projeto sobre privatização das praias.
No entanto, da forma como está, abre um leque amplo, pois não há limites, nem limitações – possibilitando espaço para a discussão sobre a ‘privatização das praias’.
Vale lembrar que a votação ocorreu entre os deputados da legislatura passada.
Estiveram presentes na sessão 472 parlamentares.
Na ocasião, foram 377 votos favoráveis e 93 contrários – apenas uma abstenção (do deputado Carlos Zarattini – PT).
O presidente da Casa, Arthur Lira, não vota, conforme o regimento – exceto em caso de empate.
Em 2022, o presidente era Jair Bolsonaro.

Ex-deputado Junior Bozzella (PSL na época) votou de forma favorável ao projeto.

Marcelo Squassoni também votou de forma favorável ao projeto, quando estava na Câmara

… assim como a deputada Rosana Valle, que estava no PSB na ocasião. Fotos: Divulgação
Baixada Santista
Na legislatura anterior, a Baixada Santista contava com dois deputados: Rosana Valle, eleita pelo PSB e que migrou para o PL depois, e Bozzella Jr, eleito pelo PSL, reformulado com o nome de União Brasil após a fusão com o DEM.
O mandato deles foi no período de 2019 a 2022.
Dos dois, apenas Rosana se reelegeu.
No entanto, ambos, votaram a favor da PEC 3/22, ou seja, se colocaram de forma favorável à proposta polêmica sobre as praias.
Aliás, Rosana foi minoria dentro do seu antigo partido.
Do total de 29 deputados do PSB na legislatura anterior (2018-2022), apenas 8 foram favoráveis ao projeto, contra 21 contrários.
Já no PSL, 51 dos parlamentares votaram de forma favorável. Apenas Daniel Silveira votou de forma contrária.
Dos 18 partidos com representantes na Câmara na ocasião, apenas cinco partidos tiveram a maioria ou a totalidade votando de forma contrária: PT, PSB, PSOL, PV e Rede.
Nestes três últimos toda a bancada se mostrou contrária à proposta.
Caso a proposta avance no Senado e sofra alguma mudança, voltará à Câmara Federal para nova análise e votação.
Aliás, agora pelos deputados da atual legislatura.
Esclarecimento
Em nota enviada à Reportagem, a deputada Rosana Valle esclareceu seu voto e postou vídeo nas redes sociais.
“Sou totalmente contra qualquer tipo de possibilidade de cessão, especulação e privatização de praias e de quaisquer áreas à beira mar, mangues, rios e terrenos de acessos públicos.
Portanto, qualquer postagem, mensagem e matéria que fale o contrário disso é fake news, é mentira.
Estou acompanhando as audiências sobre a PEC 03/2022, que trata sobre essa temática, e muito atenta às mudanças em seu texto. Hoje, a matéria está em apreciação no Senado Federal.
Quando alguns dizem, por aí, que votei a favor, isso em 2022, distorcem fatos, e criam inverdades, e manipulam informações para confundir o cidadão.
Na época, votei contra a cobrança do laudêmio e do recolhimento de taxas de marinha em mais de 530 mil propriedades em todo Brasil, incluindo as da Baixada Santista – o que, aliás, foi amplamente divulgado pela Imprensa, na época.
Trata-se de imposto injusto e sem sentido, pago por moradores de todas as classes sociais que estão em áreas próximas ao mar, rios e mangues.
Praias são bem de uso comum do povo, definidas pelo Plano de Gerenciamento Costeiro de 1988, e isso não pode mudar.
Sou a favor que elas continuem públicas e que as áreas de preservação sigam protegidas e longe de qualquer tipo de especulação ou exploração imobiliária.
Essa é verdade! Inclusive, se essa PEC for encaminhada para a Câmara dos Deputados da forma como está, prevendo privatização de qualquer centímetro de praia, adiando que meu voto será contrário.”
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