O intenso calor que atingiu as cidades brasileiras nas últimas semanas e meses tem se tornado um desafio não só para a saúde, mas para o meio ambiente e economia.
Na última segunda-feira (17), Santos registrou 42,2º C, conforme a estação meteorológica localizada no Bairro São Manoel, na Zona Noroeste, em Santos.
Além disso, na última terça-feira (18), as fortes chuvas atingiram a cidade de Santos e a região da Baixada Santista, causando diversos alagamentos e deixando pessoas “ilhadas” e prejuízo para os veículos que ficaram debaixo d’água.
Mês mais quente
Em janeiro deste ano, a temperatura do planeta registrou 1,75 C° acima do nível pré-industrial.
Para ter noção, essa foi a maior temperatura da história registrada pela série do Serviço Copernicus para Mudanças Climáticas da União Europeia. Desse modo, ficou 0,79°C acima da média de 1991-2020 para o mês, com temperatura do ar na superfície de 13,23ºC.
Assim, o registro deixa o planeta ao 18º mês em que a temperatura média global do ar superficial foi acima de 1,5°C a mais do nível pré-industrial. Portanto, de fevereiro de 2024 a janeiro de 2025, o planeta ficou 1,61°C acima da média estimada de 1850-1900 usada para definir o nível pré-industrial.
Próximos anos
A meteorologista do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), Danielle Ferreira informa que segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), as projeções para os próximos anos indicam que o planeta enfrentará um aumento contínuo da temperatura global e um agravamento dos eventos climáticos extremos, a menos que ações urgentes sejam tomadas para reduzir as emissões de gases de efeito estufa.
Impactos
Com relação aos impactos imediatos e de longo prazo nas condições climáticas locais e regionais, Danielle aborda que os eventos extremos já estão ocorrendo nos últimos anos, com recordes de temperatura sendo observados com maior frequência.
Assim como ondas de calor mais persistentes, volumes de chuvas elevados em poucas horas e secas prolongadas. “No Brasil, já existem vários exemplos, como: chuvas excessivas na cidade de São Paulo, que aumentaram desde o início da década de 1990; seca no final de 2023 e início de 2024, fazendo o Rio Negro, em Manaus, atingir níveis recordes de baixa; o Pantanal também experimentou a seca mais significativa em 70 anos; inundações severas afetaram o extremo sul do Brasil no final de abril e início de maio de 2024, com o estado do Rio Grande do Sul sendo o mais afetado”.
O professor titular da USP com atuação no Instituto de Energia e Ambiente e que desenvolve projeto de pesquisa sobre Políticas Públicas relacionadas às Mudanças Climáticas, Pedro Luiz Côrtes, acrescenta que quando há processos ou períodos de estiagem e seca, esses períodos tendem a ser mais intensos, como o que ocorreu no Brasil. “Observando essa dualidade, nós tivemos em maio do ano passado, chuvas excepcionais no Rio Grande do Sul e logo depois tivemos seca intensa na região central do País e também na Amazônia”.
“Então teremos essa dualidade, como se fosse uma gangorra. Iremos percorrer extremos. Então a parte intermediária, ou seja, a chuva quando ocorre de maneira normal e a seca quando ocorre não é tão intensa. Estaria dentro do padrão climático de normalidade, mas isso raramente se verifica hoje em dia”.
Meio Ambiente
O professor aborda que em relação aos ecossistemas, algo que é pouco lembrado, como os oceanos, os pescadores artesanais já estão enfrentando dificuldade de encontrar os peixes atualmente onde eles encontravam.
“Os peixes ou migraram para águas mais profundas ou para outros locais em busca de situações mais parecidas com aquelas às quais a espécie estava acostumada”, explica.
Na fauna terrestre, há a elevação da temperatura, com falta de água e isso pode provocar um aumento da mortalidade de espécies. Às vezes, até pela dificuldade de encontrar alimentos, porque a vegetação começa a ficar extremamente seca. Frutos que os pássaros buscavam já não estão disponíveis na mesma facilidade, isso pode provocar migração e aumento da mortalidade das espécies, exatamente por falta de alimento e de água”.
Além disso, na flora, ela acaba ficando vulnerável ao fogo nos períodos de seca. Então áreas que antes não estavam sujeitas a incêndios, seja de causas naturais ou provocados, ficam mais sujeitas por conta da falta de água.
Sem contar que os rios vem perdendo água, seja pela exploração excessiva da água deles ou de água subterrânea no entorno, seja também pela falta dela, com sua redução significativa do volume em decorrência de secas prolongadas.
Inflação
A previsão do mercado financeiro para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), considerada a inflação oficial do Brasil, passou de 5,58% para 5,6% este ano. A estimativa consta no Boletim Focus da última segunda-feira (17).
Segundo o economista Dênis Castro, o aumento no preço de alimentos como café, tomate e cenoura em períodos de altas temperaturas ocorre principalmente por três razões.
São elas: redução da produtividade agrícola, onde o calor excessivo prejudica crescimento das plantas, reduz a qualidade dos produtos e pode até inviabilizar algumas colheitas.
Além da maior necessidade de irrigação, pois em regiões onde a estiagem é intensa, os agricultores precisam de mais água para manter as lavouras, elevando os custos de produção. Sem contar, os problemas logísticos, onde as altas temperaturas podem acelerar o apodrecimento dos alimentos e aumentar a necessidade de refrigeração durante o transporte, o que também encarece os produtos.
“Isso afeta o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) porque alimentos e bebidas têm um peso significativo no cálculo da inflação. Quando esses itens encarecem, há um efeito cascata que impacta diretamente o custo de vida da população”.
Previsões
Castro menciona que a pre visão de uma inflação de 5,6% em 2025 já reflete a preocupação com os efeitos das mudanças climáticas na produção agrícola. Portanto, se as altas temperaturas persistirem ou forem agravadas por fenômenos como o El Niño, a oferta de alimentos pode continuar pressionada, elevando os preços.
“Além disso, quando alimentos básicos ficam mais caros, o consumidor precisa reorganizar seu orçamento, reduzindo o consumo de outros bens e serviços, o que pode impactar negativamente a economia como um todo”.
Ele também ressalta que a influência do clima não se limita apenas ao café e à cenoura. Outros alimentos também são vulneráveis, como o arroz e feijão, onde a falta de chuvas pode prejudicar o plantio e comprometer a colheita. Já o leite e carne são impactados, pois a pastagem para o gado é afetada pelo calor excessivo, reduzindo a produção de leite e elevando o custo da carne. Assim, a inflação dos alimentos tende a ser mais volátil e sensível ao clima.
Futuro
Sobre o futuro do meio ambiente, a meteorologista informa que a tendência de aquecimento segue nos próximos anos e é necessário frear a emissão de gases do efeito estufa através de políticas governamentais mais rígidas para conter as emissões, combater o desmatamento, incentivar a transição para fontes de energias renováveis (solar e eólica), bem como promover uma agricultura mais sustentável.
De acordo com o infectologista, Evaldo Stanislau, o calor extremo é prejudicial à saúde, sobretudo para os idosos que podem ser vítimas fáceis dessa situação com o aumento de internações e mortes decorrentes dessa onda de altas temperaturas. “O nosso corpo tenta manter equilíbrio e temperaturas ajustadas lançando mão de mecanismos para diminuir a sensação do calor. O primeiro deles é a transpiração”.
Dessa forma, ele recomenda o uso de roupas leves e de cores claras, se possível aumentar as áreas expostas do corpo, usando bermudas, saias e camisas curtas, por exemplo.
Stanislau menciona que é importante cuidar da hidratação. “Em caso de sentir sede, é sinal que já desidratamos, então é bom ingerir líquidos, de preferência gelados, em abundância e continuamente, antes de sentir sede. Pode ser água, suco, isotônicos, água de coco, chá gelado e frutas refrescantes”.
Contudo, idosos não sentem sede, por isso vale a atenção para ofertar líquidos a eles também. “Calcule um volume de 50 a 100 ml de líquido para cada quilo de peso por dia. Alimentos leves e de fáceis digestão também são recomendados, assim como evitar exposição ao sol, deslocamento e atividades físicas nos horários de mais calor”, acrescenta o médico.
Aliás, ele ressalta também em sempre que possível estar em ambientes refrigerados ou no mínimo com boa circulação e renovação de ar e manter as portas e janelas abertas.
Dengue
O Governo de São Paulo decretou na quarta-feira (19) situação de emergência em saúde pública no estado em razão da epidemia por dengue.
Dessa forma, o médico comentou sobre como o clima mais quente pode influenciar a disseminação de doenças tropicais, como a dengue. “Existem muitos trabalhos científicos que mostram que no clima quente, o ciclo do mosquito como um todo, desde o ovo até o mosquito, se acelera”.
Assim, o mosquito fica mais voraz para picar. Com temperaturas mais elevadas e com a presença de umidade e chuva isso favorece o crescimento dos ovos.
“Por isso, vemos o aumento das doenças vinculadas por vetor, com ciclo de vida mais acelerada, com atividade do mosquito mais intensa e condições favoráveis para crescimento e maturação dos ovos”.
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