“Um museu é um espelho.” Essa é a frase que mais se ouve no Largo Páteo do Colégio, onde o Museu das Favelas reabriu suas portas em dezembro de 2024, em nova sede.
Desde então, foram mais de 100 mil visitantes — mais pessoas que a população de muitas cidades. Mas neste espelho, mesmo em um edifício histórico do século XIX, não se refletem apenas bustos coloniais ou pinturas de elite.
O reflexo aqui é de outra ordem: gente negra, gente periférica, gente trabalhadora.
O Museu das Favelas rompe com os números frios das estatísticas culturais da cidade sendo um museu feito com e para as favelas.
A marca dos 100 mil não é só um feito logístico, é um dado que confirma os objetivos e o compromisso do Museu. Em um país onde, segundo dados IBGE de 2022, as favelas abrigam 16,4 milhões de pessoas, o número de visitantes mostra a potência de um Museu que escancara as portas para um público que historicamente ficou do lado de fora.
E mais: das pessoas que passam pelo Favelas, 29% nunca haviam estado em um museu antes.
Para eles, o Museu das Favelas não é só o primeiro, é a porta de entrada para novas experiências, e para nós uma oportunidade de formação de um novo público para os museus da cidade.
Instalado agora no centro histórico, no largo que marca a fundação de São Paulo, o Museu deixou para trás sua antiga sede no Palácio dos Campos Elíseos para ocupar um lugar estratégico: mais acessível, simbólico e mais conectado com a vida urbana da capital.
Estar no Páteo do Colégio é também disputar narrativas — e afirmar que a favela também é fundadora de novos imaginários.
Desde a mudança, o Museu das Favelas tem se consolidado como um dos pólos culturais da cidade.
Sua programação gratuita e diversa combina exposições de longa e curta duração, atividades educativas, oficinas, rodas de conversa, formações e lançamentos de livros de artistas negros, indígenas e periféricos.
O impacto é sentido em números e em subjetividades. De dezembro de 2024 até aqui, 59% dos visitantes se autodeclaram pessoas negras — índice superior à média da maioria das instituições culturais da capital.
O dado reforça o senso de pertencimento que o Museu promove: aqui, quem visita também se reconhece no que vê.
A exposição de longa duração “Sobre Vivências”, construída em diálogo direto com as comunidades, é a principal porta de entrada.
Já a mostra “Racionais MC’s: O Quinto Elemento”, prorrogada até o fim de agosto, e que foi eleita pela APCA e pelo Portal Pepper como a melhor expo do ano de 2024, comprova que a cultura da favela, quando tratada com cuidado e respeito, alcança premiações, capas de jornais e, sobretudo, corações da periferia.
Mas não é só no campo da arte que o Museu das Favelas atua. Iniciativas como o CRIA — Centro de Referência, Pesquisa e Biblioteca — e o CORRE — voltado à formação e empreendedorismo — mostram que o Museu também é espaço de formação política, geração de renda e empoderamento econômico.
Exemplo disso é o Favela Tech, programa que está formando dezenas de mulheres periféricas em tecnologia, com apoio da Meta.
O Museu das Favelas é, hoje, um destino turístico em plena consolidação na capital. Aparece entre os dez museus mais buscados no Google em 2024 e já impacta diretamente turistas com distribuição de materiais em locais estratégicos como aeroportos, rodoviárias e hotéis.
O número de visitantes de fora da cidade chega a 32%, incluindo estrangeiros e paulistanos que, pela primeira vez, se aventuram no centro histórico.
Por trás da visitação crescente, há uma estratégia consistente de formação de redes e fortalecimento territorial.
Trata-se de um museu que não espera ser descoberto — ele se faz encontrar. Em 2024, esse trabalho foi reconhecido com o Selo de Igualdade Racial, pela promoção ativa da inclusão e da equidade.
Os 100 mil visitantes do Museu das Favelas são, na verdade, muito mais do que um número: são 100 mil encontros, 100 mil perspectivas ampliadas alteradas, 100 mil passagens pela história do Brasil que por muito tempo não estiveram nos livros didáticos.
Mais do que um dado, é um sinal: viemos para aprender, criar, lembrar e imaginar um futuro onde nossa história esteja presente e valorizada.
Jairo Malta é curador do Museu das Favelas, instituição da Secretaria da Cultura, Economia e Indústria Criativas do Estado de São Paulo, sob gestão do idg – Instituto de Desenvolvimento e Gestão.
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