Outro dia, entre café e notícias, me peguei pensando na ágora.
Não a das ruínas gregas que hoje atraem turistas, mas aquela viva, de vozes, onde o sol caía sobre corpos presentes e palavras erguiam cidadania.
Política, comércio e religião se misturavam na praça como se o destino da pólis fosse inventado a cada manhã.
Roma herdou esse fogo e o moldou em pedra. Estradas, fóruns, aquedutos: a cidade transformada em monumento.
Mas o fórum, antes encontro, virou palco de poder. Roma acreditou na eternidade do mármore e esqueceu a alma.
Não ruiu de repente. Foi apagando-se devagar, como lâmpada cansada. Senadores falando sozinhos, povo entretido com pão e circo, desigualdade cavando fissuras.
Roma não caiu. Adormeceu.
Olho ao redor e reconheço o roteiro. Nossa ágora é digital: veloz, barulhenta, quase sem escuta.
A civitas ainda respira nas constituições, mas tantas vezes se reduz a ringue. A cidade tornou-se global, megalópoles que escondem estrelas e devoram rios.
Elites erguem torres de vidro enquanto multidões sustentam a engrenagem em silêncio. O espetáculo não acontece mais no Coliseu. Vibra no bolso.
O cinema já pressentia. Em 1926, Fritz Lang filmou Metrópolis: subterrâneos sem sol, máquinas que devoram homens, elites suspensas acima da cidade.
Cem anos depois, soa como profecia. Manchetes confirmam: discursos buscam plateia, não diálogo; tribunais viram palco; promessas oferecem miragem em lugar de futuro.
Narrativas empilhadas como troféus, enquanto milhões sustentam engrenagens invisíveis.
O risco não está em bárbaros às portas. Está na implosão de um planeta exausto de ser explorado sem pausa.
A desigualdade ergue muralhas cada vez mais altas. A política se entrega ao espetáculo.
A cidadania ameaça dissolver-se em algoritmos que separam mais do que unem. Pergunto: ainda dá tempo?
Talvez. Se resgatarmos algo da pólis. Se devolvermos sentido à praça. Se abrirmos novamente o espaço comum como encontro e escuta.
Se ousarmos reescrever o roteiro que Roma ensaiou e Metrópolis projetou em sombras e clarões.
Porque a maior de todas as cidades já está diante de nós: a Terra, frágil e comum.
E só há um caminho se quisermos seguir adiante: transformar telas em janelas, algoritmos em pontes, multidões em comunidade.
Que nossas ágoras digitais voltem a pulsar como presença e diálogo.
Antes que reste apenas a ruína iluminada por hologramas, e o silêncio da Terra nos pergunte, tarde demais: onde estávamos?
Alessandro Lopes é arquiteto e urbanista, mestre e pesquisador em Cidades Criativas e Inteligentes
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