O futuro sustentável das cidades começa em casa | Boqnews

Opiniões

30 DE SETEMBRO DE 2025

O futuro sustentável das cidades começa em casa

Luiz Augusto Pereira de Almeida

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O Relatório Anual de 2024 do Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (ONU-Habitat), que acabou de ser publicado, é categórico ao apontar uma crise global de habitação sem precedentes.

Mais de 2,8 bilhões de pessoas enfrentam alguma forma de inadequação habitacional e 1,1 bilhão sobrevivem em favelas e assentamentos informais, sobretudo na África e na Ásia.

A isso somam-se os deslocamentos forçados por guerras, mudanças climáticas e desastres naturais, que empurram milhões para a busca desesperada por um teto.

A ONU lembra que só será possível atender à demanda crescente se forem construídas 96 mil novas unidades habitacionais por dia até 2030, o que significa uma casa por segundo.

O diagnóstico é alarmante. Hoje, cerca de 318 milhões de pessoas estão literalmente sem-teto, número equivalente a toda a população dos Estados Unidos.

Além disso, 14% dos habitantes urbanos e 40% dos moradores de áreas rurais não têm acesso à água potável gerida de maneira segura.

Ao mesmo tempo, projeta-se que dois bilhões de residentes urbanos enfrentarão aumentos significativos de temperatura até 2040, com impactos diretos sobre saúde, infraestrutura e qualidade da vida. Esses dados mostram que habitação não é um tema isolado, pois está no coração da agenda climática, social e econômica.

A ONU-Habitat defende que a moradia adequada deve ser tratada como um direito humano fundamental, que envolve muito mais do que quatro paredes e um teto. Inclui segurança da posse, acesso a serviços básicos, localização conveniente, habitabilidade, acessibilidade e adequação cultural.

Concordo plenamente com essas recomendações. Ademais, os números e desafios dos diagnósticos globais impressionam, mas não surpreendem quem acompanha de perto a realidade brasileira.

Em nosso país, o déficit habitacional é estimado em sete milhões de moradias e tem raízes complexas: falta de planejamento urbano de longo prazo, excesso de rigidez em legislações ambientais que, embora relevantes, acabam por travar empreendimentos populares, além de uma burocracia estatal lenta e onerosa.

É verdade que o setor imobiliário brasileiro vive um dos seus melhores momentos históricos, impulsionado por programas públicos e crédito abundante.

Segundo o Secovi-SP, em 2024 foram aplicados R$ 180 bilhões no mercado imobiliário, somando operações de crédito para incorporadores e pessoas físicas.

Somente em São Paulo, 104 mil unidades residenciais verticais foram lançadas e 103 mil vendidas, um salto de 43% sobre o ano anterior. É um recorde absoluto.

Mas, mesmo diante desses números, o déficit continua inaceitável e as perspectivas para o final de 2025 e 2026 já sofrem com a ameaça das altíssimas taxas de juros, nocivas tanto para quem constrói quanto para quem sonha com a casa própria.

Cabe abrir parênteses aqui para enfatizar o quanto o descompasso entre as políticas monetária e fiscal, culminando com um dos juros reais mais elevados do mundo, é danoso para toda a economia. Solucionar esta questão começa na responsabilidade fiscal. Mas, esta é outra história…

Voltando à questão habitacional, vemos os que os dados da ONU reforçam que a solução não está apenas em construir mais, mas também em construir melhor.

Nesse sentido, o conceito de sustentabilidade espacial é decisivo: adensar áreas já urbanizadas, aproveitando infraestrutura existente de transporte, saneamento, energia, saúde e lazer, otimiza investimentos, preserva áreas verdes e mananciais e é mais sustentável sob o aspecto econômico e social.

Expandir desordenadamente as cidades para áreas verdes, como critica o relatório da ONU-Habitat e como ainda vemos de modo recorrente no Brasil, é caminhar na contramão da sustentabilidade.

A aversão cultural do nosso país ao adensamento populacional e à verticalização dos empreendimentos habitacionais traduz-se em ocupações irregulares, pressionando áreas frágeis e sem serviços básicos.

Reverter esse quadro exige mais do que diagnósticos repetidos.

É preciso colocar a moradia no centro das prioridades nacionais, reduzindo entraves burocráticos, acelerando aprovações, criando incentivos e garantindo previsibilidade.

Não se trata apenas de política social, pois habitação é um vetor estratégico para o desenvolvimento econômico, social e ambiental.

Num mundo em que bilhões ainda lutam por um teto digno, o Brasil tem a oportunidade de se alinhar ao pacto global por cidades mais inclusivas, resilientes e humanas.

Entretanto, isso exige coragem política e clareza de prioridades. Afinal, como lembra a ONU-Habitat, o futuro sustentável das cidades começa em casa.

 

Luiz Augusto Pereira de Almeida é diretor da Sobloco Construtora, membro do Conselho da AELO.

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