Omoiyari – A Arquitetura Invisível | Boqnews

Opiniões

21 DE OUTUBRO DE 2025

Omoiyari – A Arquitetura Invisível

Alessandro Lopes

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Mais do que um conceito japonês, Omoiyari é uma lição sobre convivência e empatia ativa.

Um convite a repensar a cidade como espaço de cuidado compartilhado, onde o progresso começa nos gestos simples.

Há palavras que abrem portas secretas. Omoiyari é uma delas.

Ouvi esse som pela primeira vez em um documentário sobre escolas japonesas.

As crianças, pequenas e serenas, varriam o chão antes de ir embora. Nenhum adulto ordenava.

Nenhuma placa lembrava a obrigação. Era um gesto ensinado pelo costume, o cuidado compartilhado, o pertencimento silencioso.

Omoiyari nasce da junção de omoi (pensamento, sentimento, consideração) e yaru (dar, oferecer).

É mais do que empatia: é previsão afetiva. É sentir o outro antes que ele precise pedir. É agir não por dever, mas por consciência.

Essa delicadeza cotidiana é um tipo de urbanismo moral.

Ela se manifesta onde a cidade ainda pulsa como corpo vivo, nas praças limpas sem lei, nos cumprimentos que interrompem a pressa, no olhar que pede licença sem palavras.

Quando o Omoiyari desaparece, o espaço público adoece.

Aqui, confundimos civilidade com norma. Criamos campanhas para o que deveria ser natural. Falamos de sustentabilidade, mas não recolhemos o próprio copo.

Admiramos o Japão pelo comportamento, sem notar que ali o civismo não é exibido, é encarnado. O gesto não busca aplauso, apenas continuidade.

O Omoiyari é o oposto do automatismo digital que governa nossos dias.

Enquanto algoritmos aprendem a prever desejos, esquecemos de antecipar necessidades humanas.

Há uma empatia mecânica no mundo virtual, mas pouca atenção real nas calçadas. As telas, que poderiam aproximar, nos distraem da presença.

Quando uma sociedade perde o Omoiyari, multiplica leis. Quando o reencontra, basta o exemplo.

O que no Brasil ainda exige decreto, no Japão se resolve com educação, aquela que ensina não apenas a pensar, mas a sentir.

Omoiyari é tecnologia ancestral. Uma sabedoria que antecede sensores e aplicativos. É o algoritmo da convivência.

Cuidar da cidade sem ser mandado, preservar o espaço comum sem testemunhas.

Talvez o futuro das cidades inteligentes não esteja em chips, mas em gestos.

Afinal, uma cidade é o que fazemos dela quando ninguém está olhando.

E a inteligência mais rara não é a artificial, é a que nasce do afeto.

 


Alessandro Lopes é arquiteto e urbanista, mestre em Direito Ambiental e pesquisador em Cidades Criativas e Inteligentes.

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