A Lei 1807, aprovada pela Câmara em outubro de 2025, chega como esperança de aliviar a alta carga do sistema tributário brasileiro, mas na verdade representa aquilo que os portugueses chamam de “geringonça”: uma solução confusa, mal costurada e que cria mais problemas do que resolve.
O artigo examina essa reforma com realismo, reconhecendo suas poucas virtudes, mas apontando seus tremendos defeitos estruturais.
Na verdade, o projeto tem um ponto positivo real. A elevação do limite de isenção do IRPF para cinco mil reais mensais era necessária e deveria ter acontecido muito antes.
Desde 1996 esse piso não era ajustado pela inflação, deixando brasileiros de classe média pagando impostos sobre renda que, economicamente falando, já valia bem menos.
Esse ajuste, portanto, é justo e restaura uma certa proporcionalidade perdida. Mas aqui termina a parte boa.
O governo precisava compensar a queda de arrecadação esperada com essa medida e, em vez de buscar aumentar a eficiência ou cortar gastos e desperdícios, optou por aumentar os impostos de forma criativa e problemática.
Criou um imposto novo, chamado IRPFM, que incide especificamente sobre os rendimentos dos “super ricos” (?).
O problema é que esse caminho está cheio de armadilhas jurídicas e econômicas.
A primeira armadilha é a dupla tributação. O novo imposto vai incidir sobre dividendos, que desde 1995 gozavam de isenção.
Isso significa que as empresas já pagam imposto de renda sobre seus lucros, e agora seus acionistas pagarão novamente quando receberem os dividendos.
Essa sobreposição de tributação viola princípios fundamentais que o próprio Brasil adotou há décadas e que outras nações respeitam.
Há também uma questão constitucional grave. A Constituição estabelece, em seu artigo 150, que as leis tributárias devem respeitar o princípio da legalidade estrita.
Muitos especialistas questionam se o IRPFM, por sua forma e estrutura, atende a esse requisito.
Não é um detalhe menor: é a base da segurança jurídica que todo investidor e cidadão precisam para confiar no sistema.
Além da questão legal, há o impacto prático. O objetivo era atingir “os super-ricos”, mas na verdade o novo imposto acaba prejudicando a classe média e os profissionais que poupam e investem.
Comparando com os padrões dos países desenvolvidos, a tributação sobre dividendos no Brasil fica desalinhada com as práticas internacionais, afastando investimentos e criando desconfiança no mercado.
Essa insegurança fiscal é talvez o maior dano da lei. As empresas e investidores precisam de previsibilidade.
Quando as regras mudam de repente, quando impostos que estavam extintos ressurgem, quando a estrutura tributária se torna contraditória, as pessoas deixam de investir no país. E investimento é o que gera emprego e crescimento econômico.
O fundamental é entender que essa não era a forma certa de resolver o problema.
O Brasil precisa de uma reforma tributária verdadeira, pensada de forma ampla e coerente, que reorganize todo o sistema em bases mais justas, mais simples e mais eficientes.
Não precisa apenas de ajustes pontuais que atrapalham mais do que melhoram.
Esse texto faz um apelo ao Senado Federal para que não deixe essa lei em seu estado atual.
Há tempo para reconsiderar, para buscar uma solução verdadeiramente sistêmica.
O Brasil merecia uma reforma tributária à altura de seus desafios, não um remendo que carrega os pecados do passado e cria novos problemas.
A geringonça do novo IRPF é exatamente o que o país não pode permitir que vire lei.

Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque é doutor em Economia por Harvard, professor titular e vice-presidente da Fundação Getúlio Vargas. Foi Secretário Especial da Receita Federal do Brasil do Ministério da Economia, Presidente da Financiadora de Estudos e Projetos-FINEP, Secretário do Planejamento do Município de São Paulo, Secretário de Finanças do Município de São Bernardo do Campo, Secretário do Desenvolvimento Econômico e Trabalho do Município de São Paulo e Subsecretário de Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado de São Paulo. Foi Vereador e Deputado Federal.
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