Silas Corrêa Leite e a ficção fantástica | Boqnews

Opiniões

17 DE NOVEMBRO DE 2025

Silas Corrêa Leite e a ficção fantástica

Adelto Gonçalves

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I

Finalmente, chegou às livrarias e aos sites de vendas o e-book O rinoceronte de Clarice (Rio de Janeiro, Editora Autografia, 2024), de Silas Corrêa Leite, obra virtual que abriga onze contos fantásticos, com três finais para cada ficção: um final feliz, um de tragédia e um terceiro surrealista e politicamente incorreto.

Obra pioneira e por muito tempo única no gênero, de vanguarda, tem sido um sucesso em downloads e acessos na internet, desde quando lançada em janeiro de 1998, o que valeu ao autor convites para entrevistas em programas de televisão e elogios em veículos da grande mídia impressa, pois já é considerada o primeiro livro interativo da rede mundial de computadores.

Por seu ineditismo, mereceu ser estudada na tese de doutoramento “O livro depois do livro: a experiência literária hipertextual em Giselle Beiguelman”, de Luciana Cristina Lourenço da Silva, apresentada à Universidade Federal de Alagoas (UFAL).

Esta tese estuda a obra de Giselle Beiguelman (1962), artista, curadora, professora titular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e de Design da Universidade de São Paulo (USP) e pioneira no campo da arte digital e no uso da internet e da inteligência artificial.

Além desta obra e de O rinoceronte de Clarice, a tese enfoca Miséria e grandeza do amor de Benedita, de João Ubaldo Ribeiro (1941-2014), e, a partir da semiótica do filósofo norte-americano Charles Sanders Peirce (1839-1914), procura entender como a literatura se encaixa neste processo e como este interfere na construção de uma leitura de fruição estética ativa em ambiente virtual.

II

Escritos numa linguagem direta, sem rodeios, própria para quem não tem tempo nem paciência para enfrentar a letra impressa, estes contos reproduzem com simplicidade flagrantes da vida, como se descobre logo ao se ler a primeira ficção, “Carmen”, que conta a história de uma pobre mulher, que vivia de uma parca pensão pública, depois de uma trajetória simplória como professora de ensino primário num colégio municipal da pacata cidade de Itararé, na divisa entre os Estados de São Paulo e Paraná, e “ficou encostada, de favor, na biblioteca-livraria da escola, até ser aposentada com laudo provisório de meio esquizofrênica”.

Levara uma existência sozinha no mundo, até que conheceu “uma amiga perdida como ela”, conhecida como Vida, mulher “de muitos amantes, casados, solteiros, jovens, velhos, todos tristes”.

O final desse relacionamento, porém, não se adianta aqui não estragar a surpresa da leitura, até porque haverá três finais opcionais à espera do leitor, que, enfim, poderá escolher o seu preferido.

Ambientado na bucólica Itararé, como os demais, o conto que dá título ao livro conta a história de outra mulher que não quis perdoar um relacionamento extraconjugal do marido, “um executivo da área de informática, que, além de cinquentão e bonito, era bem apessoado e de família rica”.

E teve de enfrentar a solidão e muitas dificuldades, “nau frágil à deriva na vida, a casa abandonada, os amigos do casal, afastados, a minguada pensão do pai das crianças que chegava com atraso, os filhos que não via direito, a sogra contra ela, alegando que poderia perdoar e manter o lar-doce-lar”.

Tudo isso a jogaria na dependência de remédios para dormir e, depois, de drogas, o que a levaria a ter alucinações, como a ver um rinoceronte dentro de casa, até que, um dia, ao rebuscar gavetas, descobriu uma arma esquecida pelo ex-marido.

O resultado não se conta aqui até porque o autor oferece três finais diferentes, cada qual à escolha do leitor.

III

Outro conto que atrai o leitor desde logo é “Pródigo”, relato extenso, com mais de 40 páginas, inspirado na parábola bíblica que consta do Santo Evangelho Segundo Lucas, capítulo 15, versículo 11.

Aqui, os gêmeos Abel e Caim acabam por virar inimigos mortais, a partir do beneplácito do pai deles, um português-judeu originário de Coimbra, que viera sem nada e erguera uma fortuna, a ponto de morar numa mansão perto da Avenida Paulista, agitado centro econômico da cidade de São Paulo.

Enquanto Abel esforçava-se para ajudar o pai em seu crescimento econômico, já que sempre havia sido “um bom menino, correto, trabalhador, apegado e ordeiro, guardião da moral e dos bons costumes do clã”, Caim, desde cedo, tratara de convencer o genitor a lhe passar uma parte da fortuna que haveria de desperdiçar em farras, como um “bon vivant, bagunceiro, metido a poeta moderno, meio artista também e com forçada panca de carente”.

Depois da morte dos pais, o irmão pródigo metido à besta continuaria a gastar de maneira adoidada “o que recebera de herança imerecida”, a ponto de Abel colocar um detetive profissional de confiança para vigiá-lo e descobrir uma vida extremamente irregular: “bordéis de homossexuais, bancos de drogas com dependência de todos os tipos, inclusive heroína, saunas mistas com muita bebida importada, viagens compradas, até boates fechava e mandava chamar os amigos do alheio, feito um babaquara marajá do dianho”.

O resultado desse embate o leitor terá, obviamente, mais adiante com a leitura do desfecho, que, com os demais, oferece três conclusões opcionais.

Seja como for, o que resulta deste conto que se aproxima de uma novela é uma narrativa feita de turbulências da alma, pois permeada de paixões avassaladoras da vontade.

Por isso, o leitor não haverá de se arrepender por conhecê-lo, a exemplo dos demais contos aqui reunidos.

IV

Nascido em Monte Alegre, hoje Telêmaco Borba, no Paraná, morador em São Paulo-SP desde 1970, Silas Corrêa Leite (1952), além de contista e romancista, é poeta, letrista, professor, bibliotecário, desenhista, jornalista, ensaísta, blogueiro e membro da União Brasileira de Escritores (UBE).

Começou a escrever ainda muito jovem em jornais do Interior de São Paulo, tendo apenas o curso primário, quando era garçom num botequim na cidade de Itararé.

Mudou-se para São Paulo, formou-se em Direito e Geografia, fez especialização em Educação na Universidade Mackenzie e extensão universitária em Literatura na Comunicação na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP. Atuou como professor na rede pública e em escolas privadas na cidade de São Paulo.

Venceu alguns concursos com seus romances, artigos, poemas e letras de blues. Foi premiado no Concurso Lygia Fagundes Telles para Professor Escritor, da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo.

Lançou Campo de trigo com corvos (Jaraguá do Sul-SC, Design Editora, 2007); Gute-Gute, barriga experimental de repertório (Rio de Janeiro, Editora Autografia, 2015); Goto, a lenda do reino encantado do barqueiro noturno do rio Itararé (Florianópolis, Clube de Autores Editora, 2013); Tibete, de quando você não quiser ser gente (Rio de Janeiro, Editora Jaguatirica, 2017); Ele está no meio de nós (Curitiba, Kotter Editorial, 2018); O Marceneiro – a última tentativa de Cristo (Maringá-PR, Editora Viseu, 2019), O lixeiro e o presidente (Curitiba, Kotter Editorial, 2019); e Desjardim – muito além do farol do final do mundo (Belo Horizonte, Editora Caravana, 2023).

Nos últimos tempos, lançou Transpenumbra do Armagedon (São Paulo, Desconcertos Editora, 2021); Cavalos selvagens, romance imaginativo (Curitiba, Kotter Editorial/Taubaté, Letra Selvagem, 2021); A Coisa: muito além do coração selvagem da vida (Cotia-SP, Editora Cajuína, 2021); Lampejos (Belo Horizonte, Sangre Editorial, 2019); Leitmotiv: a longa estrada de fogueiras da cor de laranja: diário da paixão secreta de Anne Frank (Curitiba, Kotter Editorial, 2023), Vaca profana: microcontos (Cotia-SP, Editora Cajuína, 2023); H2Opus (Cotia-SP, Editora Cajuína, 2023), Bendito Filho – romance sobre a infância do Menino Jesus (Araraquara-SP, Opera Editorial, 2023); Alucilâminas (Cotia-SP, Editora Cajuína, 2023); Ensaios gerais: compêndio de críticas lítero-culturais (Belo Horizonte, Editora Caravana, 2024); Alfa & Beto – da poética das palavras – historial poético das letras (São Paulo, Editora Cajuína, 2024); Rua Frida Kahlo (São Paulo, Editora Calêndula, 2024); O ano em que faremos contato com o elo perdido (São Paulo, Namíbia Editora, 2024); e O sequestro do sonho (São Paulo, Editora Calêndula, 2024).

É autor ainda de Porta-lapsos, poemas (São Paulo, Editora All-Print, 2005); O Homem que virou cerveja, crônicas (São Paulo, Giz Editorial, 2009); e Favela stories, contos (Cotia-SP, Editora Cajuína, 2022).

Seus trabalhos constam de mais de cem antologias, inclusive no exterior, como na Antologia Multilingue de Letteratura Contemporanea, de Treton, Itália, e Christmas Anthology, de Ohio/EUA.
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O rinoceronte de Clarice, de Silas Corrêa Leite. Rio de Janeiro, Editora Autografia, 260 págs., R$ 24,90 (Amazon), 2024. Site: www.autografia.com.br E-mails do autor: [email protected]; [email protected]. Sites do autor: www.poetasilascorrealeite.com.br; www. silascorrealeite.com

 


Adelto Gonçalves é mestre em Língua Espanhola e Literaturas Espanhola e Hispano-americana e doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP). É autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002), Fernando Pessoa: a Voz de Deus (Santos, Editora da Unisanta, 1997); Bocage – o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003, São Paulo, Imprensa Oficial do Estado de São Paulo – Imesp, 2021), Tomás Antônio Gonzaga (Imesp/Academia Brasileira de Letras, 2012), Direito e Justiça em Terras d´El-Rei na São Paulo Colonial (Imesp, 2015), Os Vira-latas da Madrugada (Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1981; Taubaté-SP, Letra Selvagem, 2015), e O Reino, a Colônia e o Poder: o governo Lorena na capitania de São Paulo – 1788-1797 (Imesp, 2019), entre outros. Escreveu prefácio para o livro Kenneth Maxwell on Global Trends (Londres, Robbin Laird, editor, 2024), publicado nos Estados Unidos e na Inglaterra. E-mail: [email protected]

 

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