O Brasil, mais uma vez, encontra-se em um labirinto fiscal, onde a busca por receitas parece se concentrar nos mesmos bolsos de sempre.
Com uma carga tributária que atingiu a alarmante marca de 32,32% do PIB em 2024 – o patamar mais alto da década – a sensação generalizada é de que o governo está apertando o cinto dos contribuintes já sufocados, enquanto a verdadeira sangria fiscal, a evasão, continua a jorrar livremente.
É como tentar esvaziar um balde furado tapando as goteiras, em vez de consertar o fundo.
As medidas recentes são um testemunho dessa abordagem míope.
A retributação de combustíveis, a criação de novos impostos sobre fundos exclusivos e lucros offshore, a redução de benefícios fiscais para 17 setores da economia, a tributação de compras internacionais e de apostas esportivas online, e as restrições à compensação de créditos tributários – todas essas ações, embora individualmente possam parecer justificáveis, somadas, formam um mosaico que penaliza desproporcionalmente os “bons contribuintes”.
Estamos falando de empresas formalizadas que geram empregos, de consumidores que pagam suas contas em dia, de cidadãos que operam dentro da legalidade e que, por sua própria natureza, são facilmente rastreáveis pelo fisco.
A crítica central é inegável: o governo insiste em extrair mais daqueles que já cumprem suas obrigações, em vez de atacar a raiz do problema.
A verdadeira questão fiscal brasileira não reside na falta de impostos, mas na gigantesca “brecha tributária” – o abismo entre o que deveria ser arrecadado e o que de fato é pago.
Essa brecha é alimentada por evasão, fraude, sonegação e, principalmente, pela vasta economia informal que opera à margem do sistema.
Ao focar nos contribuintes honestos, o Estado não apenas desestimula a formalização, mas também perpetua um ciclo vicioso de injustiça e ineficiência.
Mas existe uma alternativa. Um paradigma diferente, que chamamos de “compliance by design”, propõe construir um sistema tributário que, por sua própria arquitetura, previne a evasão de forma natural e induz a conformidade espontânea.
Em vez de perseguir o sonegador após o fato, a ideia é criar um ambiente onde sonegar se torne extremamente difícil ou inviável.
E o Brasil, surpreendentemente, já possui a infraestrutura para isso.
A chave para essa transformação reside na implementação de um Imposto sobre Transações Financeiras Digitais (ITFD).
Graças ao Pix, o Brasil se tornou um líder global em pagamentos digitais instantâneos.
Essa capilaridade digital, que alcança milhões de brasileiros e empresas, oferece uma oportunidade única para rastrear transações de forma eficiente e transparente.
Um ITFD bem desenhado, com alíquotas mínimas e focado na movimentação financeira, poderia reduzir drasticamente a evasão, ampliando a base tributária de forma justa e sem onerar ainda mais quem já paga.
Imagine um sistema onde cada transação digital, por menor que seja, contribui minimamente, mas de forma universal, para a arrecadação.
A informalidade perderia seu principal atrativo: a invisibilidade fiscal.
No entanto, a direção atual parece ir na contramão dessa lógica.
O Projeto de Lei Complementar (PLP) 182/2025, por exemplo, é um exemplo claro dessa persistência em penalizar os formalizados.
Ao propor um aumento de 10% nos percentuais de tributação do Lucro Presumido e tratar regimes simplificados como “benefícios” a serem cortados, o PLP demonstra uma incompreensão fundamental do problema.
Regimes simplificados não são “benefícios” a serem extirpados; são ferramentas que incentivam a formalização de pequenas e médias empresas, que são a espinha dorsal da nossa economia.
Ao invés de combater a evasão, essas medidas correm o risco de empurrar ainda mais empresas para a informalidade, criando um efeito bumerangue que diminuirá a base tributária e a capacidade produtiva do país.
Em suma, a estratégia atual é, como bem definimos, “estrategicamente míope”.
Ela prioriza a extração de mais recursos de um grupo cada vez menor de contribuintes honestos, em vez de enfrentar o desafio sistêmico da evasão fiscal.
Essa abordagem não apenas é injusta, mas também insustentável a longo prazo.
Ela desestimula o empreendedorismo, sufoca a inovação e mina a confiança no Estado.
É hora de virar a página. O Brasil precisa de uma reforma tributária que seja inteligente, moderna e justa.
Uma reforma que utilize a tecnologia a seu favor, que incentive a formalização e que, acima de tudo, combata a evasão fiscal com a mesma veemência com que exige o cumprimento das obrigações dos bons contribuintes.
Somente assim poderemos construir um sistema tributário que realmente sirva ao desenvolvimento do país, e não apenas à fúria arrecadatória que penaliza os honestos enquanto o verdadeiro vilão, a evasão, segue impune.

Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque é doutor em Economia por Harvard, professor titular e vice-presidente da Fundação Getúlio Vargas. Foi Secretário Especial da Receita Federal do Brasil do Ministério da Economia, Presidente da Financiadora de Estudos e Projetos-FINEP, Secretário do Planejamento do Município de São Paulo, Secretário de Finanças do Município de São Bernardo do Campo, Secretário do Desenvolvimento Econômico e Trabalho do Município de São Paulo e Subsecretário de Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado de São Paulo. Foi Vereador e Deputado Federal.
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