Considerada a doença do século, a depressão pode afligir qualquer pessoa, independente do sexo, classe social ou faixa etária.
Nota-se, inclusive, que jovens estão cada vez mais dentro do quadro depressivo. A pressão pela escolha profissional e a ilusão criada por redes sociais são alguns dos gatilhos para o desenvolvimento da doença da alma.
Em cenários depressivos mais graves, a ideia de suicídio passa a ser real para essas pessoas. “De 2000 para cá, a taxa de suicidas de pessoas entre 15 e 35 anos aumentou mais de 1000%. É um número impressionante”, diz o psiquiatra, professor de Medicina da Universidade Estadual Paulista (UNESP) de Botucatu e autor do livro O suicídio e sua prevenção, José Manoel Bertolote.
Segundo ele, das doenças mentais relacionadas ao suicídio, há particularmente três importantes: depressão, alcoolismo e esquizofrenia. As duas primeiras têm se inserido cada vez mais na vida dos jovens. “Estão muito mais presentes. No Brasil, particularmente, existe um aumento recente elevado no total de suicídio em jovens”, afirma.
De acordo com um estudo realizado pela Vigilância Epidemiológica da Secretaria de Saúde de Santos, 268 pessoas cometeram suicídio na Cidade entre 2001 e 2010. Os números de Santos, aliás, são alarmantes. O índice foi de 6,9 / 100 mil habitantes em 2010 ante a média da Baixada Santista (5,8), estadual (1,2) e nacional (4,9). As informações são do Data/SUS.
Transtornos
Conforme Bertolote, ao estudar casos de pessoas que se mataram, observou-se que 95% delas tinham algum transtorno mental grave. Estima-se que 7% da população mundial — cerca de 400 milhões de pessoas — possuam depressão.
A psicóloga clínica pós-graduada em Neurociência, Fabiana de Oliveira Rodrigues, explica que esta é uma doença grave, porém, a maioria das pessoas que chegam ao consultório com o diagnóstico pré-estabelecido não são realmente doentes. “A patologia é muito diferente do estado depressivo. Todos nós passamos por momentos ruins que podem durar bastante, mas nem todos sofremos de depressão”, salienta.
Um transtorno que tem sido presente na vida de muitos jovens é o cutting (automutilação). De acordo com a psicóloga, os praticantes começam a sentir prazer na dor física. “Para eles terem alívio no mundo interno, precisam se mutilar. A prática não se limita somente a cortes pelo corpo, mas existe também os que praticam o sufocamento voluntário. Eles amarram uma corda do pescoço, sobem em um banco e esperam um tempo. Quando conseguem escapar, sentem-se aliviados”.
Tudo isso para tentar responder seus questionamentos internos, como: ‘Por que existo? Qual o meu valor?’.
Distúrbios alimentares (anorexia, bulimia e obesidade) e vigorexia (culto ao corpo) também são problemas que fazem parte do cotidianos de jovens, sobretudo na internet.
Mundo tecnológico
Não é difícil encontrar blogs, sites e redes sociais temáticos que ensinem práticas associadas a esses transtornos. Um deles, pró-anorexia, diz: “sempre que estiver com fome, escove os dentes com bastante creme dental, que se você tentar comer a comida vai ficar com um gosto horrível e você vai acabar desistindo”. Fabiana ressalta que os pacientes contam técnicas nas quais ela nunca ouviu falar. “Quando pergunto onde aprenderam aquilo, justificam os sites de estímulo ao transtorno”, ressalta.
O psiquiatra José Manoel Bertolote alerta sobre a existência de uma corrente de pessoas que se comunicam pela internet para combinar um suicídio coletio. “Há um ponto em um rochedo na Noruega, que agora fecharam o acesso, onde as pessoas combinavam de pular de lá. Uma coisa assustadora”.
Há quem diga que as redes sociais também contribuam para o aumento da tristeza de algumas pessoas, portanto acentuam problemas desta ordem. Um estudo feito pela professora do Departamento de Psicologia da Universidade de Houston (EUA), Mai-Ly Nguyen Steers, concluiu que é uma tendência os deprimidos se compararem com seus amigos, vendo suas conquistas pessoais por meio do perfil no facebook em um sentimento de inferioridade.
A internet é mais um dos gatilhos que pode acentuar o quadro depressivo ou de qualquer transtorno mental ou alimentar e desencadear suicídio. Mas não é uma regra, pois não significa que um paciente que sofre dessas doenças tenha a pretensão de se matar. Para Bertolote, é necessário ter uma predisposição associada. “Existe uma vulnerabilidade predeterminada geneticamente. As pessoas que vão ter depressão, esquizofrenia e alcoolismo têm um forte componente genético, dependendo do estímulo que ele recebe do ambiente e da sociedade ”.
Tratamentos
O psiquiatra ressalta que pacientes diagnosticados com transtornos e adequadamente tratados têm uma taxa de suicídio consideravelmente reduzida. “A Hungria até poucos anos atrás era um dos países com as maiores taxas de suicidas do mundo. Hoje já não é mais. Houve um programa, no qual treinaram todos os médicos e profissionais da saúde para identificar e tratar a depressão e o resultado foi absolutamente notável. Uma redução significativa”.
CVV
Uma das instituições que têm um papel relevante no salvamento de jovens é o Centro de Valorização da Vida (CVV), ONG que tem como principal iniciativa o apoio emocional, normalmente à distância. O voluntário e porta-voz da unidade de Santos, Renato Caetano, diz que já constatou que uma parcela significativa das ligações vêm de gente mais nova. “Muitos sofrem por indefinições de futuro, questões afetivas, tanto familiares quanto amorosas, questões relativas à orientação sexual. Em muitas situações, os jovens deixam claro que existe a ideia que sair do sofrimento é sair da vida”.
No ano passado, o CVV realizou 16 mil atendimentos por meio de telefone, atendimento pessoal, chat virtual, Skype e e-mail. Pessoas que procuram um desabafo ou uma boa conversa encontram a atenção de voluntários disponíveis 24 horas.
Renato diz que quando as pessoas procuram o CVV elas só precisam se interessar em contar a sua história — que normalmente vem recheada de muito conteúdo emocional — e não precisa falar mais nada que possa identificá-la.
“Sempre tem gente disponível inclusive em todos os feriados, Natal, Ano Novo. Nosso papel na conversa é mostrar que cada um tem o seu espaço, ficamos o tempo que for necessário. Não fazemos proselitismo nem julgamentos”.
Segundo ele, a pessoa percebe que está sendo escutada e se sente valorizada. “É nessas horas que fazemos prevenção do suicídio. É quando propiciamos um momento de falar a alguém que está muito angustiado. E ele não vai precisar represar um sentimento de dor durante um tempão até se matar”.
Jovens
De uns anos para cá, os órgãos tem se atentado e se preocupado com um crescente número de suicídios na faixa dos 18 aos 25 anos. “A gente atende a todos com a mesma importância, o mesmo valor com muita ou pouca idade. Esse tratamento igual deixa todos confortáveis. Não é porque é muito jovem que o sofrimento dele tem que ser diminuído. Vivemos numa sociedade que rotula muito essas situações. Dizem que alguém não viveu o suficiente para saber o que é sofrimento. Dor é uma coisa que é impossível medir. Não podemos dizer que uma dor é maior do que a outra”.