Após quase um século de especulações, projetos e promessas, a tão desejada ligação seca entre Santos e Guarujá poderá sair do papel.
Entretanto, o projeto mais recente de ponte, atualmente no aguardo do licenciamento ambiental, já enfrenta obstáculos ligados ao setor portuário.
As obras foram anunciadas em fevereiro pelo governador João Doria (PSDB), e desde então, a Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp) se mostra preocupada com possíveis riscos ao desenvolvimento do Porto de Santos.
A responsável pela construção da ponte será a Ecovias, concessionária responsável pelo Sistema Anchieta-Imigrantes (SIA) há 21 anos.
Em troca, o acordo prevê a extensão do contrato para continuação da exploração dos serviços por mais 30 anos. O atual contrato vence em 2026.
O pedágio do Sistema Anchieta-Imigrantes é um dos mais caros do País.
O projeto
A ligação entre as duas margens do Porto de Santos será feita por meio de uma ponte em arco e estaiada.
A extensão será de 7,5 quilômetros, sendo que 1,1 quilômetro será sobre o canal do estuário.
A altura de 85 metros e largura de 305 metros entre pilares, de acordo com a concessionária, garantirá o tráfego de navios de grandes dimensões.
A estrutura partirá do km 64 da Via Anchieta e terminará na altura do km 250 da Rodovia Cônego Domênico Rangoni, a Piaçaguera-Guarujá.
Serão duas faixas de rolamento com 3,5 metros cada, além de acostamento.
O projeto surge como uma alternativa de deslocamento entre Santos-ilha ao continente, além de Guarujá e Litoral Norte.
Atualmente, o trajeto pode ser feito pela travessia de balsas, operada pela Dersa, que vem apresentando problemas em relação ao tempo de espera e embarcações em atividade.
A outra opção é pela Cônego Domênico Rangoni, em um percurso de 45 quilômetros de distância, passando por Cubatão.
A previsão do valor gasto no empreendimento é de R$ 2,9 bilhões, a ser concluído em três anos.

Interligação entre a Via Anchieta (SP-150) e a Rod. Cônego Domênico Rangoni (SP-055 “Piaçaguera”). Foto: Reprodução
Audiência pública
Na última terça-feira (16) foi realizada audiência pública, no Teatro Guarany, em Santos, presidida por membros Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema) para apresentar o Estudo de Impacto Ambiental e o Relatório de Impacto ao Meio Ambiente (EIA/RIMA).
Feito pela empresa Geotec, os dados foram mostrados pelo geólogo Fernando Kertzman.
Além disso, o diretor superintendente da Ecovias, Rui Klein, apresentou o projeto da ponte ao público presente.
Foram expostos aspectos técnicos e foi divulgado o que Klein chamou de “bloqueios de pagamento” no lugar de pedágio.
Aberta ao público, a audiência teve mais de 30 participantes, entre munícipes e representantes de instituições, expondo posições contrárias e favoráveis ao projeto.
Foram feitos diversos questionamentos direcionados ao EIA-RIMA e à Ecovias.
Objeções
A maior preocupação evidenciada pelos participantes foi em relação ao Porto de Santos, o maior da América Latina.
Eduardo Lustosa, engenheiro e diretor da Associação dos Engenheiros e Arquitetos de Santos, classificou como “inaceitável” o projeto da ponte.
O diretor citou que em Rotterdam, na Holanda, algumas pontes passaram a ser substituídas por túneis. Essa opção é defendida por ele, tendo em vista também a possibilidade de integrar bicicletas na travessia.
Além disso, demonstrou preocupação em relação à segurança, e questionou a ausência de estudo sobre impacto visual.
Ricardo Arten, engenheiro naval e diretor-presidente da Brasil Terminal Portuário (BTP), ratificou a necessidade de consultar o segmento portuário.
O engenheiro enfatizou que os cidadãos pensam que a ponte foi projetada para resolver o problema da balsa. No entanto, quando, na verdade, a agilidade no escoamento de cargas fica em evidência.
Dessa forma, questionou: “É um problema realmente para ter que investir [quase] 3 bilhões?”
A secretária geral da Comissão de Meio Ambiente na OAB, Luciana Schlindwein Gonzalez, também indagou a finalidade do projeto: “A quem serve a ponte?”.
Para ela, é necessário clareza e aprofundamento em alguns aspectos, como reversão dos impactos negativos e estudo sobre impactos no trânsito.
Incerteza
Do lado de Guarujá, o secretário adjunto do Meio Ambiente de Guarujá, Ricardo de Souza, questionou se o Município será contemplado com a verba destinada para compensação ambiental.
Segundo a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), essa definição ainda não é possível. O motivo é o projeto ainda estar em fase inicial.
A Codesp, por meio de nota, reiterou que está aberta para construir soluções com o Governo do Estado a fim de encontrar a solução que atenda a necessidade de ligação seca. E que, além disso, não prejudique a expansão do Porto.
Para Glaucia Lopes, moradora do Monte Cabrão, o projeto é válido. Mas desde que não afete as moradias e o comércio do entorno.
Os moradores da área continental, atualmente, precisam fazer a travessia pelo lado de Guarujá, no Ferry Boat, para chegar à área insular de Santos.
Com isso, ela defende um estudo minucioso para a aplicação do projeto, visando minimizar possíveis transtornos.
Para Hélio Hallite, professor de Gestão Ambiental e Logística e Comércio Exterior da Universidade Santa Cecília, a ponte prejudicará a bacia de evolução, a manobra de navios e berços de atracação.
Além disso, comprometerá o tráfego marinho. Com experiência em Rotterdam e Antuérpia (Bélgica), o professor aponta para os túneis como solução.
“Noventa anos foram suficientes para aprender. Se não aprendemos, pagaremos por esse atraso”, conclui.
Ao final da audiência, Rui Klein respondeu alguns questionamentos.
Ele enfatizou que as autoridades marítimas, portuárias e aeronáuticas foram ouvidas.
O diretor acrescentou que o aeródromo de Guarujá não terá a atividade prejudicada pela construção da ponte.
Prefeitura
De acordo com o secretário de Governo, Rogério Santos, a Administração Municipal vê o projeto de maneira positiva.
Especialmente por tratar de uma reivindicação antiga, trazendo ganhos na mobilidade entre as áreas continental e insular de Santos.
Rogério citou o incidente da Ultracargo, em abril de 2015, para ressaltar a importância da ligação entre a Anchieta e Perimetral.
Na ocasião, o único acesso ao Porto de Santos foi fechado por conta do incêndio.
Para o Executivo e do ponto de vista logístico, o ideal é a construção de duas ligações. A segunda, portanto, sendo um túnel.
Este, por sua vez, próximo à Ponta da Praia, para sanar o problema do atual sistema obsoleto de balsas.
“A Prefeitura é a favor dos dois complexos agindo de maneira integrada e inteligente”, completa.
No entanto, em relação às questões hidroviárias, Santos afirma que não cabe à Prefeitura opinar a respeito.
Dessa forma, explica, esses aspectos competem aos órgãos reguladores e à operadora portuária Codesp.
Questionado sobre o impacto em imóveis e comércio, o secretário respondeu: “Vai haver maior dinâmica e valorização da área continental”.
E, ainda, mencionou a elaboração de estratégias para potencializar as questões portuárias e residenciais na área continental.
Túnel
Uma alternativa bastante defendida por muitos é a de um túnel submerso – proposta da primeira ligação, feita em 1927.
De acordo com a Dersa, o Governo do Estado de São Paulo determinou que a ponte é a opção mais viável dentro do quadro econômico e de logística.
A discussão de uma ponte, feita pela Dersa, estava ativa até ano passado.
Entretanto, por meio de nota, a empresa afirmou que, no momento atual, acarretaria em um novo adiamento da solução definitiva para integrar as duas cidades, sem prazo de definição.
Outros projetos
Transtornos para atravessar as duas cidades não são recentes. A discussão já dura 92 anos. Dessa forma, o futuro deste novo empreendimento é incerto.
Em 1927, o engenheiro e arquiteto Enéas Carneiro elaborou o primeiro projeto de túnel para ligar as cidades.
Posteriormente, na década de 40, o também engenheiro e arquiteto Francisco Prestes Maia projetou o primeiro esboço de ponte levadiça.
Em 1950, Luiz Muzi apresentou novo projeto para conectar as cidades.
Consistia em uma ponte de 500 metros de vão e com uma rampa em estilo caracol.
Recentemente, em 2010, o ex-governador de São Paulo, José Serra (PSDB), apresentou novo projeto de ponte. A apresentação do empreendimento contou com maquete, exposta no Shopping Praiamar, em Santos.
Por último, em 2013, então governador Geraldo Alckmin (PSDB), anunciou um projeto de túnel submerso.
Após inúmeras críticas e contingenciamento de gastos, o projeto foi deixado de lado.