Um tema que sempre choca e embrulha o estômago: a violência sexual contra crianças e adolescentes perpetua na sociedade. Quando se torna pai ou mãe, o assunto se torna ainda mais assustador. Descobre-se que por mais cuidados que se tenha, os casos acontecem e os índices existem para comprovar isso. No início do mês, um caso ocorreu em São Vicente com uma menina de oito ano.
Somente em Santos, em 2015, foram notificados 122 possíveis casos de violência sexual contra aqueles que mais deveriam ser protegidos pela sociedade. Em média, 10 casos por mês – 1 a cada três dias. Neste ano, até novembro, já foram notificados 61, representando uma queda, mas ainda elevada. Os dados são da Secretaria Municipal de Saúde – Vigilância das Violências.
No Brasil, mais de 17,5 mil crianças e adolescentes podem ter sido vítimas deste tipo de violência em 2015, quase 50 por dia. Os números são relativos às denúncias feitas ao Disque-Denúncia Nacional, Disque 100, divulgados em maio deste ano no Dia Nacional de Combate à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. As meninas são as maiores vítimas, com 54% dos casos denunciados. A faixa etária mais atingida é a de 4 a 11 anos, com 40%. Meninas e meninos negros/pardos somam 57,5% das vítimas.
Números que tendem a ser ainda mais tristes pelo fato da violência ainda ser silenciada. No estudo Violência Silenciosa: as crianças frente ao abuso sexual infantil, da autora Cecília Faria, acadêmica de Psicologia, a ausência de denúncias ainda ocorre pelo fato da vítima do abuso isolar-se, já que quando as integridades física e sexual é ferida, sentimentos de culpa e vergonha permeiam a pessoa vítima de violência, que é estigmatizada pela sociedade.
E quando a violência sexual ocorre com crianças, o silêncio é ainda maior, pois o medo das ameaças e/ou até mesmo a dificuldade em relatar o ocorrido estão presentes na realidade infantil. Vale destacar o que se entende por violência sexual. De acordo com o site da organização Childhood, que trabalha para influenciar a agenda de proteção da infância e adolescência no País, a violência sexual pressupõe o abuso do poder onde crianças e adolescentes são usados para gratificação sexual de adultos, sendo induzidos ou forçados às práticas sexuais. O ato interfere diretamente no desenvolvimento da sexualidade saudável e nas dimensões psicossociais das pequenas vítimas.
E como revelam os estudos, grande parte dos casos acontece dentro de casa e são cometidos por pessoas próximas. Vizinhos, padastros, primos, tios e até mesmo os próprios pais são os maiores agressores. Só depois surgem os desconhecidos. Assim confirma Rejane da Fonseca Oliveira, chefe de Departamento de Proteção Social Especial de Santos. “A maioria dos casos está dentro do próprio núcleo familiar, de parentes próximos, vizinhos, pessoas de confiança da família”, explica. São poucos os casos onde o agressor está fora deste núcleo.
Quem nunca ouviu uma história de alguém que passou anos da infância sendo abusada e até mesmo estuprada pelo padastro sem saber ao certo que isso era errado? São tantas as histórias e os números mostram que a maioria é de classe baixa, de regiões mais carentes, mas o silêncio é ainda maior entre as classes sociais mais abastadas.
Rede de atendimento
Mas o que fazer quando o perigo vira realidade? Ainda no artigo de Cecília Faria, a existência de um apoio individual e/ou institucional que ajude a criança e sua família quando na descoberta do abuso sexual são fatores de proteção que tendem a diminuir o impacto da violência tanto para a vítima, quanto para aqueles que estão ao seu redor. Daí a importância de procurar ajuda o quanto antes. Neste momento é que entram os Conselhos Tutelares – na cidade são três – e toda a rede que atua na proteção de crianças e adolescentes. Para os casos mais graves, é importante que se encaminhe a vítima o quanto antes para os primeiros atendimentos na área da saúde.
“Confirmando o abuso, o primeiro passo é o atendimento clínico para cuidar desta criança e adolecente, evitando doenças sexualmente trasmissíveis. O olhar para este tratamento tem de ser imediato”, explica Rejane. Ela salienta que quando o abuso ocorre entre 48 horas, a vítima é encaminhada para o Hospital Silvério Fontes. Passando este período, o atendimento passa a ser realizado no Instituto da Mulher, que oferece os procedimentos da profilaxia e toda medicação, se necessária.
Rejane explica que também é realizado boletim de ocorrência e a vítima encaminhada para o IML para fazer corpo de delito. Quando se identifica e confirma o abuso, o Centro de Valorização da Criança – CVC é acionado para fazer um atendimento completo desta criança e da família, trabalhando este trauma. “Começa um trabalho de conhecimento da família para identificar as causas e saber principalmente se a criança está segura no lar. Se for identificado que não, aí sim – depois de todas as tentativas possíveis – encaminha-se as vítimas para programas de abrigo e proteção. Cada caso é uma história diferente”, sintetiza.