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Nara Assunção

Baixada

23 DE MAIO DE 2016

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Mães de Maio: Uma década de luto (a)

Há 10 anos, a região vivia o que se tornou conhecido como Crimes de Maio, com com nenhum caso solucionado até hoje

Por: Da Redação

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débora maria silvaVocê se lembra o que fazia há 10 anos, entre os dias 12 a 26 de maio? Ou numa data mais específica, dia 16 de maio de 2006? Muitos podem ter dificuldade de voltar ao tempo e descrever onde e com quem estavam. Para outras – que não são poucas -, porém, esta data está marcada em suas memórias e assim como Débora Maria Silva, cada segundo é lembrado com exatidão. Líder do movimento Mães de Maio, Débora lembra cada detalhe e são com lágrimas nos olho21s que descreve o dia, nublado, em que perdeu o filho Edson Rogério dos Santos, aos 29 anos.

“Pela rádio ouvi o nome do meu filho entre os jovens assassinados. Desde então não tenho mais o direito de comemorar meu aniversário ou o Dia das Mães. Destruiu minha família. Não tem como esquecer, pois é uma ferida aberta. Foi um duro golpe”, conta Débora, que relembra que um policial conhecido a avisou que haveria um toque de recolher naquele mesmo dia, 16 de maio, e que “pessoas de bem” não deveriam ir para a rua. O filho não ouviu o pedido para não sair de casa e mais tarde foi morto a tiros.

Débora atribui o assassinato a grupos de extermínio da própria Polícia Militar, em resposta aos ataques do PCC – Primeiro Comando da Capital. De acordo com levantamentos e estudos até internacionais, houve toque de recolher e agentes do Estado e grupos de extermínio saíram às ruas para retaliação, resultando em centenas de mortes, não de confrontos mas de execuções. Até hoje, porém, a maior dor além da perda do filho é o fato do crime não ter sido esclarecido, assim como todos os demais.


quadroDo luto para a luta
“Quem me chamou para luta foi meu filho. Levante e vai à luta que estou do seu lado. Estarei até para colocar palavras na sua boca e trazer justiça e transformação para este País”, conta Débora, que diz que teve esta visão, quando estava acamada no hospital, após a perda do filho. Desde então, com a presença dele em espírito, luta pelas investigações.

De mãe, Débora se transformou nestes últimos 10 anos em uma guerreira e líder do movimento. Com discurso direto, ela pode não saber usar o português corretamente em todas as concordâncias, mas sabe com precisão seus direitos, datas e nomes de todo este processo que apresenta como um grande enredo.

“Por que o Estado já não respondeu? No início, rotulou como crime do PCC e depois junto com a mídia conseguimos reverter este cenário. Mostramos a inocência de nossos filhos e mesmo os que tinham algum envolvimento no crime não mereciam este fim. No último domingo (19) tive um dos maiores presentes, a Globo falou dos Crimes de Maio e não ataque do PCC, como rotulava. Uma vitória para nós. Eles não falam em grupo de extermínio de policiais, mas só de falar Crimes de Maio é um avanço”.

numeroA luta agora, segundo Débora, é pela federalização das investigações. “Hoje está no Gaeco. São seis inquéritos com 11 vítimas. Queremos que os promotores encaminhem para a esfera federal e que sejam concluídas pelo (Rodrigo) Janot (Procurador Geral da República). Novo ministério de Direitos Humanos, tem como ministra Flávia Piovesan, que em 2010, disse que os crimes tiveram o mesmo requinte de crueldade que os da ditadura. Espere que ela olhe para os nossos casos e ajude a promover mudanças”, explica.

De acordo com o promotor de Justiça de Santos, Silvio de Cillo Leite Loubeh – que não está à frente destas investigações, mas concedeu entrevista, pois o promotor responsável pelos casos está de férias – , além dos crimes de maio, existiram outros na região – como os de 2010, 2012 e alguns fatos isolados – com indícios de execução por parte de policiais. “Sinceramente achamos que isto (federalizar) não mudará muita coisa. Empenho nunca faltou. Reconhecemos que os inquéritos deveriam ter sido melhor instruídos na época. Depois deste primeiro momento, nenhuma testemunha deixou de ser ouvida. Justificaria se houvesse um comprometimento como de proteger os policiais. Não é o caso. Pelo contrário. Temos um histórico longo de investigar e processar policiais. Se por acaso houver recursos para aprofundar investigações seremos os maiores interessados. Só falar que a Polícia Federal tem elementos e disposição para ajudar na investigação que atuaremos junto com eles”, explica.

Documentário

Uma das grandes conquistas do movimento foi a estreia do documentário Não Saia Hoje, que ocorreu no último dia 12. Em 52 minutos, o filme propõe um olhar sobre a luta diária destas mães que tiveram seus filhos assassinados nos Crimes de Maio. O projeto, da Modo Operante Produções, foi o vencedor do 6º Pitching DOC Futura do ano passado. “Eu acreditava na voz dos nossos mortos e o resultado pode ser visto agora por todos”, diz Débora.


Força reconhecida
Luta iniciada em Santos, o movimento – que é independente e apartidário – hoje é reconhecido nacional e internacionalmente. Em 2013, Débora foi uma das homenageadas no Prêmio dos Direitos Humanos – mesmo destaque que recebeu em 2010. A diferença é que da última vez conseguiu ter voz. “Nesta data, fiz meu pronunciamento na tribuna de honra. Peguei nossa bandeira e disse à presidente Dilma Rousseff que ela estava numa zona de conforto, vendo o País matar os nossos jovens. Que a ditadura não tinha acabado na periferia. Vemos uma repressão e assassinatos. Basta ser pobre para morrer pelas mãos de quem deveria nos defender. Gritei pela desmilitarização da polícia. Este é o caminho”, ressalta Débora que esteve recentemente nos Estados Unidos representando o movimento e voltará a viajar em breve para o México. “Hoje, temos vínculos com as mães dos Estados Unidos, Chile, Argentina. A luta passou a ser mundialmente conhecida. Tínhamos esta missão”.

Para o promotor Loubeh, apesar de não ter conseguido resultados pessoais, a luta das Mães de Maio tem garantido avanços importantes na denúncia contra os crimes cometidos pelo Estado, como de policiais que já foram presos – não pelos homicídios – mas por crimes cometidos como o porte de armas e que depois é possível fazer ligação com execuções mais recentes.

Debate na Vila do Teatro

Neste domingo (22), a partir das 20 horas, acontece o Sarau da Vila, com o tema 10 anos dos Crimes de Maio, que terá participação de Débora Maria Silva. “Iremos debater os Crimes de Maio e mostrar nossa luta, apresentando quais foram nossas conquitas e o que ainda queremos avançar. Lutamos por respostas pelos crimes de nossos filhos, em 2006, e pelos que ocorrem até hoje”, diz Débora.

“A maldade foi esquecida pela população paulistana e pela Baixada Santista. E de lá para cá ocorreram outras chacinas. A dor de um fiho assassinado não tem preço e não se mede. Do policial ao bandido, ou de um trabalhador, a dor tem o mesmo peso”, conclui. A Vila está localizada na Praça dos Andradas, 35, ao lado da Rodoviária de Santos.

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