Você tem fome do quê? Famílias enfrentam rodízio para receber cestas básicas | Boqnews
Foto: Divulgação

Comida

14 DE NOVEMBRO DE 2020

Siga-nos no Google Notícias!

Você tem fome do quê? Famílias enfrentam rodízio para receber cestas básicas

Em Santos, crianças de escolas municipais não podem ter fome. Afinal, há rodízio na entrega das cestas básicas, cujo prazo chega a até sete meses.

Por: Fernando De Maria

array(1) {
  ["tipo"]=>
  int(27)
}

Apesar das verbas voltadas à merenda escolar, as cestas básicas são entregues em forma de rodízio, chegando a até sete meses de espera. O cartão bolsa-alimentação, apesar da lei, também deixou de ser creditado.

 

Para uma cidade do porte de Santos, uma das mais ricas do País, é vergonhosa a forma como a Prefeitura de Santos tem feito com a entrega de cestas básicas às famílias de alunos da rede municipal, especialmente entre as unidades localizadas em áreas mais periféricas.

Vale lembrar que as escolas estão fechadas desde a segunda quinzena de março em razão da pandemia.

E assim os gastos com a merenda escolar estão suspensos.

De abril a outubro, por exemplo, o Ministério da Educação repassou quase  R$ 7 milhões apenas para esta finalidade.

No último dia 5, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE)  repassou a décima parcela do Programa Nacional de Alimentação Escolar aos 5.570 municípios brasileiros.

Ao todo, foram depositados R$ 393,7 milhões para apoiar a alimentação de alunos.

Assim, são 40 milhões de estudantes em cerca de 150 mil escolas beneficiados pelo programa em todo o País.

O órgão esclarece que mesmo com o fechamento das escolas em razão da pandemia do Covid-19, o FNDE “seguiu repassando, normalmente, os recursos de alimentação escolar, que podem ser utilizados para adquirir alimentos a serem distribuídos em forma de kits aos estudantes”.

Pelo menos 30% dos recursos devem ser aplicados em produtos da agricultura familiar para fomentar o segmento.

Quase R$ 7 milhões

Santos já recebeu R$ 6 milhões 798 mil neste ano para este fim.

Até outubro, foram R$ 6 milhões 118 mil, sendo R$ 4 milhões 510 mil após o fechamento das escolas.

Na primeira semana de novembro, o Governo Federal, por meio do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), repassou mais R$ 679,8 mil.

Assim, foram encaminhados somente à merenda escolar um total de R$ 5 milhões 190 mil após o fechamento das escolas em razão da pandemia.

Em uma pesquisa na internet é possível verificar que uma cesta básica, com 19 itens, incluindo arroz, macarrão, feijão, açúcar, macarrão, custa R$ 69,90, conforme modelo.

Partindo deste valor – ainda que quanto maior a quantidade, menores os preços unitários, e seguindo o padrão de uma cesta deste porte (o que nem sempre ocorre) – a verba recebida pela Prefeitura de Santos via Ministério da Educação daria para adquirir 74.257 cestas neste período ou 9.282 cestas mensais (abril a novembro).

 

 

Rodízio e reclamações

A despeito das verbas repassadas pelo Ministério da Educação, as entregas das cestas básicas ocorrem em forma de rodízio – ou seja, a entrega só é feita de tempos em tempos.

Não bastasse, é destinada apenas uma cesta por família – tendo como referência apenas a criança mais velha.

E são, em média, quatro meses de intervalo, mas existem casos de até sete meses de demora neste esquema de rodízio.

Por exemplo, os alunos da escola municipal Cyro de Athayde Carneiro, no Morro da Nova Cintra, receberam as primeiras cestas em abril.

A outra entrega só ocorreu nesta semana.

Aliás, foram nove escolas localizadas em morros, área continental e Zona Noroeste contempladas nas entregas realizadas na quarta (11) e quinta (12).

Coincidência ou não, às vésperas das eleições municipais, marcadas para este domingo (15).

E existem alunos de escolas municipais que só foram contemplados uma única vez.

São os casos, por exemplos, das famílias das escolas Lourdes Ortiz (Aparecida), Olavo Bilac (Campo Grande) e Edméa Ladevig (Gonzaga), beneficiadas apenas em maio.

É o caso também da auxiliar geral, Maria Zelma do Nascimento da Penha, 53 anos, com uma filha de 10 anos estudando na escola Maria Luíza Alonso, na Ponta da Praia, outra escola com apenas uma data de recebimento, conforme atesta o próprio site da Prefeitura.

“Só recebi uma cesta em julho. E mais nada”, reclama.

Ela se surpreende com a lista de mantimentos que deveriam constar na lista, inclusive produtos in natura, como determina a lei.

“Não recebi nada disso. Não veio fruta, nem batata. Só os produtos da cesta mesmo”, reforça.

Assim, são frequentes os relatos de pais se queixando nas redes sociais deste assunto.

Na Câmara, vereadores também recebem demandas de munícipes e cobram o Governo.

Edis tanto na oposição como da situação.

 

Situação de penúria

A situação para muitas famílias é de penúria, como revela uma professora da rede municipal, que leciona na área continental de Santos.

A redução do auxílio emergencial – de R$ 600 para R$ 300 – pago pelo Governo Federal também afeta o orçamento familiar, ainda mais com a explosão de preços dos alimentos.

Vide o óleo de soja, arroz, leite, batata…

“Muitas famílias não têm o que comer”, confirma a docente, que, para não sofrer represálias, teve o nome omitido.

Ela mesmo, junto com outras colegas, fazem ‘vaquinha’ e recolhem mantimentos e materiais de higiene pessoal para ajudar as famílias mais necessitadas de bairros afastados.

Percebe-se também que não há uma constante na entrega dos mantimentos pelas escolas, como mostra os números mensais divulgados pela própria Seduc.

E o que o número reduziu drasticamente desde junho, a despeito dos valores repassados pelo Ministério da Educação terem se mantido normalmente.

 

Basicamente, o maior volume das cestas básicas ocorreu nos três primeiros meses com as escolas fechadas. Depois, viraram ‘produto raro’. Foto: Divulgação/PMS

Escolas beneficiadas por mês

Mês             Total de escolas beneficiadas

Abril                           52

Maio                           28

Junho                         20

Julho                           4

Agosto                         2

Setembro                   15

Outubro                      8

Novembro (*)            9

(*) Até dia 12.

Fonte: Prefeitura de Santos

Cesta Básica Solidária

Por sua vez, a Prefeitura mantém em seu site um pomposo projeto chamado de Cesta Básica Solidária.

Em seu site, a Administração informa que a proposta é uma medida de segurança alimentar adotada pela Prefeitura em decorrência da Covid-19.

Na primeira fase, realizada de 7 a 10 de abril, 4.165 famílias cadastradas no CAD Único e no programa Bolsa Família receberam cestas.

A ação, em seu segundo momento, teve sua abrangência ampliada e atingiu também quem não recebe o auxílio federal.

Até o final de abril, outras 14.577 famílias foram contempladas, com as cestas doadas pela iniciativa privada.

“A Prefeitura ressalta que os alimentos são destinados às pessoas em vulnerabilidade social. Caso sobrem alimentos nas unidades, eles ficarão à disposição de outras famílias que eventualmente vierem buscar ajuda da Administração Municipal”.

Portanto, diante do aumento do desemprego (recorde de 14,4% no último trimestre no Brasil), nem sempre as pessoas cadastradas neste  programa social são beneficiadas.

Ou seja, muitos ficam de fora.

 

Cartão-alimentação

Não bastasse, o Ministério Público instaurou inquérito civil nesta semana sobre o fim do cartão bolsa-alimentação, após denúncia feita pela vereadora Telma de Souza (PT).

Cerca de 8 mil famílias de estudantes ficaram sem o benefício, que chegou a ser aprovado pela Câmara, mas deixou de ser cumprido.

A diarista Karina Abraão Carvalho Cruz da Silva, 29 anos, foi uma das mães que ficou surpresa com a suspensão do benefício.

Ela recebeu três créditos de R$ 55,00 por filho, totalizando R$ 330,00.

“O cartão foi zerado”, lamenta a jovem, mãe de dois filhos, de 7 e 10 anos, matriculados na rede municipal.

Ela só recebeu duas cestas até o momento – em abril e setembro, conforme o calendário da escola (Martins Fontes).

Para driblar a fome dos filhos, ela consegue mensalmente uma cesta básica fornecida por uma ONG (Pró-Viver), além das faxinas que realiza e o bolsa-família.

“Só de gastos no mercado são, no mínimo, R$ 300”, enfatiza.

 

Inquérito

Assim, a Promotoria de Justiça da Infância e da Juventude de Santos instaurou na terça o Inquérito Civil 14.0426.0004367/2020 para apurar o descumprimento  da Lei Municipal 3.681/2020 .

A legislação criou o Cartão Bolsa Alimentação durante a suspensão temporária de aulas por conta da pandemia do Covid.

Pela lei, a Prefeitura deve pagar R$ 101 para alunos de creches, R$ 63 para pré-escola e R$ 55 para Ensino Fundamental.

Valores, aliás, que seriam duplicados, segundo a vereadora, por meio de parcerias da Prefeitura com a iniciativa privada, conforme anunciado à época.

Conforme  Telma, para muitos estudantes a merenda escolar é a única alimentação do dia.

“Os recursos da merenda escolar são assegurados pelo Governo Federal e não há justificativa para deixar as crianças, sobretudo aquelas mais vulneráveis, sem alimentação”.

 

Para muitas crianças, a merenda escolar é a única refeição que a criança tem. Com má alimentação, capacidade de aprendizado cai. Foto: Divulgação

Respostas

Em nota, “a Secretaria de Educação esclarece que foi iniciada, no final de junho, a terceira etapa da medida Cesta Básica Solidária.

Até o momento (8 de outubro), foram contempladas 42 unidades municipais.

Todas serão atendidas.

O cronograma pode ser acompanhado por meio deste hotsite .

Para dar andamento nesta e nas demais fases até o final do ano, foi feito processo licitatório para a compra dos kits de alimentos.

A Seduc informa que respeitou o trâmite legal do processo, que já foi concluído.

A Seduc explica ainda que as entregas não podem ser agendadas todas de uma vez, pois depende da distribuição dos fornecedores, tanto das cestas adquiridas pela Seduc, como dos gêneros in natura (que podem variar de uma entrega para outra).

Vale destacar que nas etapas 1 e 2, nas quais foram distribuídas mais de 20 mil cestas, o planejamento para a entrega também dependia da chegada dos mantimentos para serem encaminhados às unidades.

Nestas duas fases, a maioria dos kits foi adquirida por meio de doação da iniciativa privada.

A Seduc ressalta também que na primeira fase da medida foram beneficiados somente os cadastrados no programa Bolsa Família e que constavam nos registros das escolas.

Depois, a iniciativa teve sua abrangência ampliada, ajudando quem não recebia o auxílio federal, atendendo, desta forma, toda a rede.

 

Investimentos

Sobre o investimento, a Seduc afirma que de abril a agosto o valor aplicado foi de R$ 545.220,79 (verba composta por recursos municipais e federais), investido na compra de gêneros in natura para distribuição nas entidades conveniadas e no complemento das cestas básicas das escolas (terceira etapa).

Além disso, houve economia na compra de botijões de gás, água e energia.

Assim, vale destacar que a verba do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) só poderia ser utilizada para fornecimento de alimentação na escola.

Portanto, esta regra foi alterada apenas no dia 9 de abril de 2020 (as aulas foram suspensas em 16 de abril), com a publicação da Resolução 2/2020, dando a permissão de utilização da verba para a compra de alimento a serem distribuídos para as famílias dos alunos das unidades municipais.

Dessa forma, como a suspensão das aulas deu-se antes desta data, a prefeitura iniciou outras medidas de segurança alimentar para que as famílias fossem atendidas, sem o uso da verba federal.

Por causa da nova resolução, uma parte da verba pôde ser utilizada para mandar alguns gêneros para as entidades subvencionadas que fazem parte do PNAE.

 

Gêneros in natura

O referido recurso está sendo utilizado ainda para a compra de gêneros in natura (que podem variar de uma entrega para outra) e também de cestas básicas, na terceira etapa da Medida Cesta Básica Solidária.

Com isso, desde setembro, o valor investido está sendo de aproximadamente R$1.600.000,00 por mês (verba composta por recursos municipais e federais).

Apenas 70% do montante do PNAE podem ser utilizados para compra de mantimentos não perecíveis.

Os outros 30% devem ser gastos apenas com agricultura familiar.

Importante destacar ainda que está sendo feito um estudo e planejamento permanentes para a utilização do recurso, a fim de não impactar quando as aulas presenciais retornarem”.

 

Notícias relacionadas

ENFOQUE JORNAL E EDITORA © TODOS OS DIREITOS RESERVADOS

desenvolvido por:
Este site usa cookies para personalizar conteúdo e analisar o tráfego do site. Conheça a nossa Política de Cookies.