Qual projeto será levado em consideração na hora de definir as obras de acesso ao futuro túnel Santos-Guarujá, especialmente do lado santista?
O da Dersa, concluído em 2013 e que já obteve as devidas licenças ambientais da Cetesb, precisando apenas da atualização, a despeito dos impactos.
Afinal, ela previa cerca de 200 desapropriações totalizando quase 50 mil m2 (equivalente a quase 5 campos de futebol)?
Ou da Autoridade Portuária de Santos, realizada ao longo do ano passado, que previa apenas uma desapropriação de área da própria empresa, mas que necessita de autorizações ambientais.
O dilema foi um dos tópicos destacados durante a audiência pública – a primeira das três realizada em Santos e Guarujá – com representantes tanto dos governos federal e estadual.
Na quarta (17), centenas de pessoas, entre empresários do setor, vereadores, assessores e moradores, participaram das discussões na sede da Associação Comercial de Santos.
Uma série de pontos ganharam destaque das autoridades presentes.
E dúvidas questionadas e respondidas.
Moradores
O impasse no tocante ao projeto a ser levado em consideração para o acesso ao túnel do lado de Santos ganhou destaque com a presença de representantes e moradores do Macuco e Estuário.
No próprio mapa divulgado pelo governo do Estado (vide abaixo), a área atinge a Avenida Rodrigues Alves.
No entanto, ali seria apenas um dos trechos, chegando a ruas vizinhas, como a José do Patrocínio.
Do lado de Guarujá, a situação afeta o complexo Prainha, comunidade cujos moradores serão transferidos para conjuntos habitacionais no município.
Em fevereiro, durante vinda do presidente Lula (PT) e do governador Tarcisio de Freitas (Republicanos), as primeiras 90 unidades do conjunto habitacional Parque da Montanha, construído no Guarujá pelo Governo Federal em parceria com a prefeitura do município, beneficiaram os moradores.
O investimento chega a R$ 58,3 milhões.
Ao todo, 649 famílias que vivem em palafitas no Complexo Prainha, em Vicente de Carvalho, mudarão de local.
Será naquelas proximidades, inclusive, onde haverá a instalação da doca seca, especialmente em direção do linhão, onde estão as torres de transmissão, em Vicente de Carvalho.
Decisão, aliás, do governo, para facilitar a produção das peças necessárias para a execução de toda a obra.
Afinal, será de lá onde sairão as peças que se encaixarão no futuro túnel, que contará com 870 metros sobre o mar, além das alças de acesso de ambas as cidades.
Ligação, aliás, aguardada há quase um século.
Traçado
Ainda que haja consenso de todas as partes sobre a importância da obra, dúvidas não faltam em relação ao traçado do lado santista.
Isso ficou claro durante a explanação de moradores do Macuco, bairro mais atingido, segundo o projeto da Dersa.
Os impactos também afetarão o Estuário, especialmente a partir da Avenida Afonso Pena, algo que preocupa a Prefeitura.
“O eixo Ponta da Praia será transferido para este outro ponto da Cidade”, salienta o prefeito Rogério Santos, que defende a obra, mas ressalta sua preocupação em relação a eventuais impactos que deverão ser analisados previamente para minimizar os transtornos.
“Queremos uma solução técnica efetiva. A comunidade está ansiosa. Ninguém loca nem investe mais lá. Empresas da região estão em situação de ansiedade”, dispara o empresário José Santaella, proprietário de estabelecimento no local e um dos porta-vozes do grupo de moradores.

Pelo projeto, área onde está a estação Porto do VLT pode ser a porta de entrada para o futuro túnel do lado de Santos. Foto: Fernando De Maria
Na Rua José do Patrocínio, a mais afetada, conforme o projeto da Dersa, imóveis ostentam faixas mostrando a indignação com o projeto da antiga Dersa.

Estabelecimentos e moradias ostentam faixas de protesto à obra no local… Foto: Fernando De Maria

… especialmente na Rua José do Patrocínio, no Macuco, que deverá ser a mais afetada para receber a embocadura do futuro túnel. Foto: Fernando De Maria
Outras áreas
Dessa forma, os moradores exigem o elaborado pela Autoridade Portuária, que prevê apenas uma desocupação em área da própria autoridade portuária.
Não bastasse, outras áreas na Avenida Rodrigues Alves e Rua Padre Anchieta também receberão os impactos.
No local, funcionam igreja, loja maçônica e uma loja de material de construção, entre outros estabelecimentos.
Aliás, todas vizinhas à estação Porto do VLT – Veículo Leve sobre Trilhos, que deverá ser a ligação, via túnel, para a futura estação na Praça 14 Bis, em Vicente de Carvalho.

Área onde hoje está o VLT pode ser a embocadura do futuro túnel, lado Santos. Se isso ocorrer, todos os imóveis vizinhos serão desapropriados. Foto: Fernando De Maria
Diminuir impacto
O presidente da Autoridade Portuária, Anderson Pomini, defende a proposta com o menor impacto possível para a sociedade, mas reconhece que a decisão será da empresa vencedora da licitação internacional.
“Estamos perseguindo a proposta da sociedade, mas como é um formato de PPP – Parceria Público-Privada, temos que oferecer ao mercado uma oportunidade de estudos. É o que diz a regra”, enfatiza.
Ou seja, as sugestões poderão ser acatadas ou não pela empresa vencedora da concorrência internacional, que poderá ou não adotar as reivindicações.
“Nós estamos unidos e defenderemos, a medida do possível, o traçado que já foi amplamente debatido por nós”, acrescenta.
Ou seja, com o menor número de desapropriações possíveis.
Na mesma linha segue o prefeito Rogério Santos (Republicanos).
“Temos certeza que chegaremos a um consenso em relação ao melhor traçado e que provoque os menores impactos negativos para as cidades. É isso o que iremos cobrar”, destacou.
Assim, ele cita, por exemplo, a redução no número de desapropriações e o descarte da construção de viadutos dentro da área urbana em decorrência da futura obra.
Sem contar os impactos da mudança de eixo no tráfego da Ponta da Praia – onde hoje se concentram as balsas – para a área do Macuco e Estuário, especialmente a partir da Avenida Afonso Pena.
Ações e terrenos
Diretora de Econômico-Financeiro – Companhia Paulista de Parcerias, a engenheira Raquel França Carneiro enfatizou que o governo paulista tem a preocupação em minimizar os impactos nas comunidades atingidas.
Reuniões com a Cetesb e a Autoridade Portuária têm ocorrido para traçar as ações definitivas.
“Estamos fazendo micro simulações para minimizar os impactos dos tráfegos de caminhões invadindo as cidades”, salienta.
Além disso, terrenos do governo paulista poderão ser usados para acesso à alça do túnel.
“A ideia é que os moradores permaneçam no Macuco. Estamos abrindo um canal de conversa para chegarmos a uma melhor solução”, enfatizou.
Ela estima também que até agosto haverá a divulgação de um estudo completo sobre os impactos ambientais da obra, especialmente em relação aos produtos químicos existentes no fundo do estuário, resultado de décadas de sedimentação de componentes – vários deles cancerígenos – provenientes não só do estuário, mas também do polo industrial de Cubatão.
Aliás, agosto, segundo Pomini, deve ser a data final para definição do futuro traçado de acesso ao túnel.
Porém, Raquel pretende ter uma definição em relação a este assunto em um prazo inferior.
Investimentos
Qualificado no Programa de Parcerias de Investimentos do Estado de São Paulo (PPI-SP) e integrado ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do Governo Federal, o projeto do túnel imerso prevê investimento total de R$ 5,96 bilhões.
Deste montante, 86% deverão vir de aporte público dividido igualmente entre o Governo de São Paulo e a União, além de participação da iniciativa privada.
Ou seja, R$ 5,13 bilhões divididos 50% para o governo paulista e 50% para a União.
As tarifas custarão R$ 6,15 de cada lado (valores atuais).
A cobrança será feita por pórticos do sistema flee flow – sem pedágios – no acesso dos túneis do lado de Santos e Guarujá, respectivamente.
Os valores serão iguais aos cobrados nas balsas (hoje a cobrança só ocorre do lado de Guarujá) – que não serão desativadas.
Tags
O pagamento será por meio de tags – como Sem Parar, Conect Car e outras.
Assim, quem usar, terá desconto de 5% no valor.
Quem não tiver o equipamento, terá que fazer o pagamento em até 15 dias no portal.
Caso contrário, será multado por evasão de pedágio.
Toda a arrecadação ficará para a operadora vencedora da licitação.
Assim, a estimativa é que 130 mil veículos passem pelo túnel mensalmente – média superior a 4 mil/dia.
O montante leva em consideração o total anual, com as devidas variações durante as temporadas.
Assim, a variação tarifária prevê uma variação de 90% a 110% deste montante.
Se for a menor, o Estado fará a compensação.
Se for a maior, a concessionária repassará parte dos recursos para o poder concedente para que sejam feitas obras de melhorias no entorno.
Prazo
A expectativa é que todo o planejamento e execução da obra ocorra em até seis anos.
O período de concessão é de 30 anos para a empresa vencedora.
Assim, 2024 está voltado para a realização das atividades técnicas, audiências públicas e análises jurídicas do Ministério dos Portos.
Em seguida, dos Tribunais de Contas tanto do Estado como da União.
Caso tudo ocorra dentro do previsto, a publicação do edital ocorrerá em março do próximo ano e a licitação internacional em julho de 2025.
Assim, a partir do final de 2025 ou início de 2026, haverá a definição e homologação do contrato com o grupo vencedor.
Restando os próximos quatro anos para a realização da obra em si, inclusive com a doca seca, uma espécie de fábrica para execução da obra, a ser montada em Guarujá.
Assim, o início das operações tem previsão de ocorrer no sexto ano do início das ações, ou seja, entre 2029 ou 2030.
Impactos na movimentação portuária
Em razão da complexidade da obra – será o primeiro túnel submerso do País – a concorrência internacional obrigará que a futura empresa vencedora tenha expertise na construção de túneis do gênero pelo mundo.
Além disso, a expectativa é que consórcios sejam formados com a participação e parcerias entre empresas estrangeiras e nacionais, de forma a haver um intercâmbio de troca de conhecimento na área de engenharia, o que seria um marco para futuras edificações do gênero no País.
Uma das preocupações colocadas durante a audiência pública refere-se aos impactos que a obra em si trarão à movimentação do maior Porto da América Latina.
“Vamos alinhar tudo para ter o menor impacto possível”, explica Gabriela Costa, secretária executiva adjunta do Ministério dos Portos e Aeroportos.
A expectativa é que a cada colocação de um trecho do túnel, o canal seja interrompido de forma parcial durante determinado momento de forma a impactar as operações no mínimo possível.
Variações
No entanto, qualquer decisão a ser tomada levará em consideração as variáveis de tempo, vento e outras condições.
“A concessionária vai precisar de 24 horas para emergir determinado módulo, por exemplo, e vai ter que realizar a interrupção das atividades do porto por uma hora. No entanto, se houver alguma variação de maré ou salinidade, ele vai preferir não arriscar”, salienta Raquel Carneiro.
Assim, o próprio contrato futuro – que prevê o investimento bilionário de quase R$ 6 bilhões – levará em consideração uma série de variáveis, onde existem diferenças, por exemplo, entre um contrato referente a uma obra pública e outro de uma PPP – Parceria Público Privada, como será a construção do túnel.
“Não tenho liberdade de precificar numa obra pública os custos baseados em fornecedores, mas tenho que seguir uma tabela oficial de preços”, salienta.
Conforme ela, cada concorrente irá precificar do seu jeito – o edital vai trazer parâmetros de até 1.600 produtos e serviços.
Detalhes como até o valor da madeira que será colocada para dar sustentação a uma planta que fará parte do paisagismo a área.
No entanto, os valores são referências.
“Às vezes, a empresa tem benefícios oferecidos pelos seus fornecedores”, enfatiza.
Cut and Cover, o desafio
No entanto, engana-se quem pensa que o maior imbróglio está no traçado do túnel.
A questão central está no Cut and Cover, ou seja, o emboque entre o túnel e a parte física das cidades.
Ou seja, as escavações e todo o complexo técnico para garantir a ligação entre o solo e o mar.
“O emboque é uma das mais partes mais caras e complexas do projeto entre o acesso e o túnel”, explica Raquel Carneiro, do governo paulista.
Representará quase 50% dos custos totais previstos.
Na prática, haverá necessidade de garantir uma base de sustentação entre a descida do túnel – com declive e aclive de 6º – e subida na outra margem, após percorrer os 870 metros do trecho debaixo do mar.

Imagem ilustrativa de como será o futuro acesso ao túnel, conforme projeto preliminar. Foto: Divulgação
Projeto
Conforme o projeto apresentado, a primeira etapa prevê o aterramento das áreas de acesso ao túnel.
Outras etapas incluem uma camada de lastro ao longo da extensão do túnel.
Por fim, uma camada de proteção superior para aguentar o peso dos sedimentos.
A ideia é que entre o teto do túnel e a superfície haja uma distância segura de 21 metros.
Hoje, o canal do estuário tem 15 metros de profundidade, em média. Mas a meta é chegar a 17 metros com a dragagem para atender a demanda de mega navios.
Ou seja, estudos estão sendo feitos para resistência destes impactos, inclusive os levantamentos térmicos.
“Queremos ter garantias que o túnel será seguro”, enfatiza o diretor geral da Artesp, Milton Persoli.

Traçado entre as cidades e o futuro túnel, que terá ligação entre o bairro do Macuco e Vicente de Carvalho. Foto: Divulgação
Circulação de veículos
Ao todo, três faixas estariam à disposição por sentido em cada uma delas, sendo uma adaptável para futura expansão do VLT.
Ele ligaria as proximidades da estação Porto, em Santos, até a Praça 14 Bis, em Vicente de Carvalho.
Há dúvidas, porém, se o peso do modal e de toda a estrutura seria suportada pelo futuro túnel, como alerta o empresário José Santaella.
Assim, os impactos deste modal na estrutura do túnel também estão sendo considerados.
De qualquer forma, ao todo, serão 3 faixas de 3,5 metros em cada um dos túneis, totalizando 10,5 metros de cada lado.
Além disso, outros cinco metros serão destinados para pedestres e ciclistas.
A altura (vão livre) será de 5,5 metros, com instalação de galeria para transporte de cabos da Usina de Itatinga até o Porto (hoje, estes cabos são aéreos, limitando a passagem de grandes navios).
Haverá uma porta de emergência a cada 150 metros para eventuais acidentes e incêndios dentro do túnel, funcionando como rota de fuga.

Imagem de proposta de ligação divulgada pelo Ministério dos Portos e Aeroportos
Polícia
Além disso, em razão da agilidade do acesso entre moradores de Santos e Guarujá e diante da rapidez na ligação (pouco mais de um minuto), o projeto deve incluir bases da Polícia Rodoviária nas duas embocaduras de ambas as cidades.
Além disso, os pórticos onde estarão instalados os radares para o pedágio flee-flow terão câmeras para monitorar a circulação de veículos furtados ou roubados.
“Se isso ocorrer, automaticamente a polícia estará comunicada”, informa Raquel.
A velocidade nos túneis terá limitação de 60 km/hora.
Além disso, o acesso de caminhões com produtos perigosos estará proibido.
Assim, eles deverão continuar usando a rodovia Cônego Domênico Rangoni para ligação entre as cidades.
“Estamos estudando, junto com a Autoridade Portuária, a limitação de veículos de grande porte. Hoje, nas rodovias, a cobrança é pelo volume de eixos. Mas podemos fazer como no Chile, onde poderá haver tarifa específica para determinados veículos de porte”, enfatiza Raquel.
Ou seja, pode-se aumentar o valor da tarifa para determinados veículos de forma que diminua o acesso deles ao viário por não ser tão vantajoso economicamente.
Assim, para muitos, a opção continuaria sendo as rodovias de acesso entre Santos e Guarujá em razão do custo x benefício.
Colaborações
Todas as colaborações ocorrem até 3 de maio.
Interessados podem se inscrever no portal da Artesp.
Ou no Ministério dos Portos e Aeroportos.
Estiveram na mesa no primeiro dia de audiência as seguintes autoridades.
- Raquel Carneiro – diretora econômico-financeira da Cia Paulista de Parcerias do Governo de São Paulo
- Amanda Seabra – Diretora de Programas PPI – Presidência da República
- Gabriela Costa – Secretária executiva adjunta do Ministério dos Portos e Aeroportos
- Milton Roberto Persoli – Diretor geral da Artesp
- Alber Vasconcelos – Diretor da Antaq
- Reginaldo Ortega – supervisor de projetos a Autoridade Portuária de Santos
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