A última semana marcou o início da nova fase na carreira de Júnior Dutra (foto). Perto de completar 27 anos, o atacante nascido em Santos fez seus primeiros jogos pelo Al-Arabi, do Qatar, apos pouco mais de dois anos no Lokeren, da Bélgica. Logo em sua segunda exibição, brilhou no empate em 4 a 4 com o Al-Kharaitiyat, pela 19ª rodada do campeonato local, marcando três gols. Deixar o futebol europeu justamente quando vivia seu melhor momento para jogar na Ásia pode soar estranho. Ele, porém, não tem dúvidas sobre o acerto da decisão.
“Meu contrato com o Lokeren estava para acabar (faltavam quatro meses) e a oferta do Al-Arabi foi muita boa, além de ser praticamente a última chance do clube poder receber pela minha transferência. Claro que o aspecto financeiro foi decisivo, mas encaro essa vinda para o Al-Arabi como um desafio bastante interessante para minha carreira. Estou muito motivado”, afirmou à coluna, por e-mail.
A temporada 2014/15 do Campeonato Belga vinha sendo especial. Logo na segunda rodada, Júnior Dutra foi manchete na Europa e no Brasil graças a um gol ‘à lá Rivaldo’ feito na vitória por 2 a 1 sobre o Zulte Waregen. Revivendo os anos em que jogava futevôlei nas areias de Santos, o atacante recebeu cruzamento da direita, matou a bola no peito e, de bicicleta, mandou para as redes.
A empolgação foi tamanha que ele, pela rede social Twitter, até lamentou que a jogada não foi uma das finalistas do prêmio de gol mais bonito de 2014 na Bélgica. Nada, porém, que ofuscasse o orgulho com a obra-prima feita no Daknamstadion, em 3 de agosto do ano passado.
“Já havia feito um gol de bicicleta quando estava no Japão, mas esse teve uma repercussão maior, pois aconteceu na Europa. E o legal é que como já são dois, as pessoas comentam que não foi por acaso. Pela plástica do lance, foi o gol mais bonito da minha carreira. E, pela repercussão internacional, o mais importante”, contou o santista, que deixou o Lokeren como goleador do time em 2014/15, com seis gols.
Dispensado no Peixe, ‘samurai’ no Japão
Destaque nas escolinhas do Portuários, Junior Dutra foi para o Santos com 10 anos, chegando a jogar ao lado do meia Diego (ídolo alvinegro, atualmente no Fenerbahçe, da Turquia). mas não vestiu a camisa do time profissional. Cinco anos depois, foi dispensado. “A cada categoria, as coisas vão se afunilando e acabei não ficando. São coisas do futebol. Mas não tenho nenhuma mágoa. Pelo contrário, pois aprendi muito e formei minha base como atleta e como pessoa no clube”, afirmou.
‘Resgatado’ na base pelo Atlético-PR, ele encerrou sua formação no Santo André. No Ramalhão, atuou ao lado do meia-atacante Ricardo Goulart, destaque no bicampeonato nacional do Cruzeiro e eleito o melhor jogador do Brasileirão pela revista Placar. “Desde cedo ele (Goulart) já mostrava muita qualidade. É um jogador extraordinário. O sucesso que fez foi merecido, não me surpreendeu nem um pouco”, disse.
Apesar do rebaixamento do Santo André no Brasileirão de 2009, Júnior Dutra chamou a atenção do futebol japonês. No ano seguinte acertou com o Kyoto Purple Sanga, então na segunda divisão do país. Lá, virou ídolo e ‘samurai’ (após uma sessão de fotos para uma revista do clube). O bom desempenho o levou ao Kashima Antlers, tradicional reduto de brasileiros e onde brilhou Zico – o santista, aliás, ficou no mesmo quarto que o Galinho costumava ocupar.
Dentro de campo, garantiu o atacante, a adaptação ao estilo de jogo japonês não foi das mais difíceis. Fora dele, porém, Júnior Dutra não teve moleza. “Uma vez eu entrei em um táxi e o motorista não falava nada de inglês. Eu também não sabia dizer o lugar onde tinha que ir em japonês. Como o carro não podia ficar parado, ficamos dando voltas por um tempo até que conseguimos nos fazer entender”, contou.
‘Quase’ retorno ao Brasil e títulos no exterior
No Japão, Júnior Dutra conquistou o primeiro título da carreira: a Copa Suruga de 2012, pelo Kashima Antlers, após decisão contra a Universidad de Chile, campeã da Copa Sul-Americana um ano antes), além de fazer seu primeiro golaço: uma bicicleta na vitória sobre o Jubilo Iwata, por 3 a 1, pela Copa do Imperador.
O futebol apresentado o levou para o Lokeren no 2013, em sua primeira experiência na Europa. No final desse mesmo ano, o santista quase retornou ao Brasil para defender o Vasco. “De fato, houve essa possibilidade. Mas, naquele momento, o Lokeren estava lutando por títulos. A diretoria insistiu em não me liberar e eu não queria forçar uma saída”, justificou o jogador, que também interessou ao Palmeiras.
A opção acabou se mostrando acertada. No ano passado, o atacante ergueu seu segundo troféu: a Copa da Bélgica. O rival, coincidentemente, foi o mesmo Zulte Waregen contra quem ganhou projeção com o golaço de agosto. “(O título) Foi muito importante para mim! O Lokeren é um time que busca se aproximar dos grandes aqui na Bélgica e, por isso, a conquista da Copa e a consequente classificação para a Liga Europa foram muito comemoradas por nossa torcida. A cidade parou para nos receber”, contou.
Desde 2010 longe do futebol brasileiro, Júnior Dutra ainda não pensa em voltar. Mesmo assim e apesar de reconhecido por onde passou, mantém vivo o sonho de defender o país em que nasceu. “Tenho 26 anos e muita coisa por fazer na carreira. A seleção, claro, é sempre um sonho”, encerrou.
CURTINHAS
* Quem é santista não costuma se espantar tanto ao encontrar conterrâneos quando passeia por outras cidades, estados e até países. Às vezes, o cidadão é caiçara “da gema”. Em outros casos, adotou a Baixada Santista como casa, seja por motivos profissionais ou afetivas. O intuito desta coluna é falar de jogadores nascidos na região, formados ou com passagens marcantes pelos clubes do litoral (Santos, Portuguesa Santista, Jabaquara, São Vicente e Guarujá) que estejam atuando no exterior, contando suas trajetórias.
* No último fim de semana, Júnior Dutra fez seu primeiro jogo em casa vestindo a camisa do Al Arabi. O atacante passou em branco, mas o time derrotou o Al Warkah por 1 a 0, gol do também brasileiro Paulinho, e assumiu o oitavo lugar da Qatar Stars League, com 25 pontos.