O Hospital do Servidor Público Estadual é um dos principais
pontos de tratamento de pacientes de Aids na capital paulista. No local, o que
mais assusta é o crescimento no número de idosos soropositivos. No ano passado,
os pacientes acima de 60 anos representaram 18% dos atendimentos no setor de
doenças infecciosas. São 950 pessoas. Quatro anos antes, esta faixa etária significava
3% dos atendimentos. Em 2009, 230 pessoas.
O avanço da Aids entre a população mais velha não é, claro,
um quadro isolado em São Paulo. O problema é perceptível também na Baixada Santista,
principalmente nos municípios de Santos e São Vicente.
Duas razões para o aumento de casos de Aids entre idosos
são semelhantes na capital e no litoral. A primeira deles é a vida sexualmente
ativa por mais tempo ou retomada depois de um intervalo durante a velhice. Em
ambas as situações, o gatilho é a pílula azul.
O segundo motivo é a ausência de camisinha. Muitos homens
se recusam a usar preservativo, sob a alegação de que reduz o prazer ou
atrapalha a relação sexual. A argumentação se reforça com a ideia de que,
durante décadas de casamento, nunca fizeram uso da camisinha. Muitos pacientes
ressuscitaram até expressões como: transar com camisinha é como chupar bala
com papel.
O aspecto cultural se estende às mulheres, parte das soropositivas.
Entre elas, muitas vezes prevalecem vergonha e timidez em exigir que o parceiro
utilize preservativo. Temem perder o relacionamento. Existe também o
desconhecimento do uso da camisinha feminina, fator também comum entre os
jovens.
A diferença entre São Paulo e a Baixada Santista é que, por
aqui, as pesquisas apontam a proliferação de espaços de convivência como outra
variável na disseminação da doença. É óbvio que não se trata destes lugares em
si, essenciais para a socialização em municípios com alto índice de população
idosa. Santos tem 85 mil habitantes com mais de 60 anos, 20% do total.
Os espaços de convivência serviram, involuntariamente, como
mecanismo de construção de novos relacionamentos afetivos. É, em parte, nestes
endereços que as duas causas anteriores, de fundo cultural e biológico, se
manifestam.
O tratamento da Aids entre idosos apresenta características
específicas. Não me refiro ao coquetel de medicamentos ou as recomendações dos
profissionais de saúde, mas às reações dos pacientes. Muitos soropositivos, que
residem sozinhos e têm contato pouco frequente com familiares, escondem a
doença e, claro, o tratamento.
Os pacientes se sentem envergonhados de portar o vírus HIV.
Carregam o temor do estigma, principalmente aquele que nasceu nas décadas de 80
e 90. O estigma se sustenta na desinformação, como dúvidas sobre contaminação,
mas também no receio de ser abandonado pelos parentes e amigos.
No ano passado, participei como mediador de um debate sobre
Aids em Santos. Entre os presentes, dentistas que atenderam os primeiros
pacientes nos anos 80 -, representantes de ONGs e agentes de saúde, pessoas que
visitam os piores endereços para convencer dependentes químicos a se
reconhecerem soropositivos e aceitarem ambos os tratamentos.
Todos percebem o avanço da Aids na população mais velha e
se queixam da redução do espaço na mídia para o debate sobre o vírus HIV. Eles
alertam que a doença estacionou em termos estatísticos. Ou seja: ainda surgem
centenas de casos todos os anos, com causas específicas para faixas etárias
diferentes.
Outra
preocupação é a aposta de pacientes no coquetel, visto como milagre que vai
assegurar décadas de sobrevida. É o ressurgimento da mentalidade de aproveitar
a vida hoje e, se acontecer o pior, que se faça o tratamento por anos, sem
perder o vigor da rotina sexualmente ativa.
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