A estética dos doentes | Boqnews

Opiniões

17 DE JUNHO DE 2011

A estética dos doentes

Por: Da Redação

array(1) {
  ["tipo"]=>
  int(27)
}

A
novidade nas academias chiques é um pó misturado na água. A poção mágica é
chamada de Jack 3D, em função das substâncias químicas que compõem o produto. O
milagre do momento aumenta a capacidade de treinamento e reduz a fadiga do
atleta.

O
Jack 3D engrossaria as prateleiras dos suplementos se não fossem dois
problemas. A substância é proibida no Brasil, por ser considerada doping. E provoca
efeitos colaterais como taquicardia e problemas neurológicos.

O
que leva pessoas normais a buscar compostos ilegais para treinar em academias?
Se a medida é injustificável para atletas de ponta, imagine para os
freqüentadores comuns. Por que arriscar a própria saúde com ações que seriam
decorrentes da própria busca por vida saudável?

A ditadura
da estética se esconde atrás de nomes pomposos, métodos revolucionários e
tratamentos divinos. A aparência passou a ser a medida de muitas
circunstâncias. Estar no corpo padrão significa a legitimação de um modo de
viver, dependente do olhar de outros escravos da forma, indiferentes ao
conteúdo.

Moldar
a casca se transformou em
obsessão. O Brasil, hoje, é o segundo país do mundo em número
de cirurgias plásticas e de freqüentadores de academias e no consumo de
remédios para emagrecer.    

No
filme Meia-noite em Paris, última obra de Woody Allen, há uma cena em que o
protagonista, um roteirista vivido por Owen Wilson, evita que a esposa do
escritor Scott Fitzgerald cometa suicídio. O roteirista foi transportado no
tempo e se encontra na capital francesa, nos anos 20.

Depois
de agradecer a ele pelo salvamento, a esposa de Fitzgerald ganha um comprimido
do roteirista, que diz algo como:

—
Será sua salvação no futuro!

O
comprimido era um Valium. A piada de Allen é, obviamente, atual. As relações
sociais viraram patologias. Qualquer comportamento fora do padrão é passível de
diagnóstico. Claro que a popularização de certos termos pode significar mais
informações sobre doenças, mas o que se vê – em muitas situações – é a popularização
do milagre em forma de remédio.

Se
o sujeito trabalha demais, está sob stress. Dá-lhe relaxantes e outras pílulas.
Se alguém segue melancólico, deve estar deprimido. Uma cartela de Prozac ou
outras tranqueiras coloridas para reanimar o tristonho. Se a criança é
bagunceira, provavelmente será hiperativa. A solução: ritalina nela!

Estamos
doentes de corpo e alma. Como escravos do corpo perfeito, também fracassamos
diante da ideia de que a felicidade não acontece o tempo todo. Não compreendemos
angústias, ansiedades e derrotas momentâneas, inerentes às relações com outras
pessoas.

A
impaciência e a incapacidade de olhar para si com o devido tempo de reflexão
nos fazem parecer com aqueles sujeitos ingênuos que eram enganados por
caixeiros viajantes e seus remédios tão exóticos quanto fruto de charlatanismo,
no século 19. Tudo para alcançar a falsa normalidade, ditada e aprovada pelo
outro, também algemado pela estética feliz a qualquer preço.

Cada
vez que passo em frente a uma farmácia-shopping, me lembro da história contada
por uma psicóloga. Quando encontrar crianças reunidas, espere por moleques e
meninas agitados. A criança quietinha, sentada no cantinho, xodó de adultos
pelo comportamento exemplar, é provavelmente a deslocada. E não está, necessariamente,
doente.

As
demais crianças? Apenas crianças.   

Contato: [email protected]

Para acessar outros textos: http://www.conversasedistracoes.blogspot.com

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Notícias relacionadas

ENFOQUE JORNAL E EDITORA © TODOS OS DIREITOS RESERVADOS

desenvolvido por:
Este site usa cookies para personalizar conteúdo e analisar o tráfego do site. Conheça a nossa Política de Cookies.