A turma do bem | Boqnews

Opiniões

26 DE NOVEMBRO DE 2010

A turma do bem

Por: Da Redação

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Não faço parte de grupos que se intitulam a “turma do bem”. Tenho medo deles! Evito abraçar suas causas e compartilhar de seus palavrórios. Da campanha eleitoral ao ambientalismo de shopping center.
Da indignação inerte com a violência urbana em lugares distantes ao abraço por causas sociais da moda. Do discurso da qualidade de vida (ainda que se trabalhe 12, 14 horas por dia) à obsessão pelo corpo perfeito (ainda que travestido de saúde). Do espiritualismo que se curva aos badulaques (e suas etiquetas) empilhados na sala de estar ao uso de Deus como justificativa pelo desprezo contra quem não é reflexo no espelho.


A turma do bem seduz pela falsa ingenuidade e comove pelo texto decorado que se encaixa nas necessidades do instante exibido na TV. O sonho é o padrão. A neurose é a uniformidade. Todos iguais, pensamento único. Neste universo, a turma se encarregaria das batutas da orquestra, de olho em cada acorde, punitiva em cada nota desafinada. 


A turma do bem é o politicamente correto com novas roupas. Enxerga o mundo em preto e branco, despreza as nuances e as contradições, ignora a diferente perspectiva. Sob a máscara da generosidade e da solidariedade para as câmeras de TV, os filiados ao politicamente correto desejam o controle, protegem seus privilégios, minimizam as próprias responsabilidades. 


O caminho natural do controle é a patrulha. Definir como todos devem se sentir, quais são as causas “eleitas”, enquadrar os discordantes e estabelecer os adversários (talvez inimigos) como a turma do mal. Claro, sem dar este nome, que infantilizaria a própria nomenclatura dos bondosos. 


A turma do bem esconde o autoritarismo pelo sorriso e pela voz de locutor da madrugada. Camufla a intolerância pelas palavras pseudo-poéticas que piscam – por exemplo – em slides de natureza. A energia positiva dos almanaques de auto-ajuda sobrevive de sensações, ao mesmo tempo em que mata a reflexão e contexto que nos levam às inquietações mais profundas.


A turma do bem se expõe quando ouve o não. Ser contrariada resulta na explosão de preconceitos, traduzidos em ofensas e leviandades imediatas por todos os canais de comunicação possíveis. A voz macia arrebenta os decibéis aceitáveis, enquanto o sorriso é esmagado pelo ranger de dentes.


A indignação também se manifesta, com maior freqüência, quando as determinações sobre as normas de conduta não são cumpridas. A virulência é o sintoma de quem adora decidir o que devemos dizer, comer, vestir e, principalmente, pensar.  


Mesmo nu, o politicamente correto não se assume no conflito. Apenas descobrimos quem são os sócios do clube. A hora da crise desvela a cor original. Mas os ataques são negados ou, no máximo, minimizados. Os atos ganham nomes – claro – politicamente corretos.


A turma do bem é composta sempre por vítimas, as verdadeiras e as de ocasião. As primeiras viram escravas. As de ocasião ganham as páginas das revistas de fofocas e os holofotes dos programas da tarde. Como vítimas, podem transferir a culpa, sentar-se no sofá do conforto e torcer para que a piedade as embale.


Os ataques – a turma do bem manda falar em reações, comentários e afins, desculpe! – sempre trazem o tom de limpeza. Não significa empurrar causas, grupos ou pessoas para debaixo do tapete ou exercitar a indiferença e o desprezo por eles. Significa eliminar quem pode atrapalhar o ideal de pensamento único, quem pode balançar os instrumentos que perpetuam o status diante do que deve ser dito e pensado.


A turma do bem se sente ofendida quando questionada. Não há contraponto. Existe alvo, com marca vermelha no meio da testa. A turma reage de forma truculenta, mas se faz de desentendida – às vezes, injustiçada – diante do que considera publicamente como agressões sem fundamento. A cara de espanto e o “OH!” de surpresa completam a atuação dos mocinhos. 


A nova forma de politicamente correto se fortalece com aqueles que realmente se importam com as causas “eleitas”. Alimenta-se deles como sanguessugas para depois abandoná-los quando os ventos ganham outra direção, quando a moda traça novos desenhos por meio dos problemas sociais tratados como inéditos da semana no noticiário.


A patrulha da limpeza está em todos os setores da sociedade contemporânea. As celebridades legitimam as ações. Parte da mídia serve como caixa de ressonância. Os fatos se repetem no noticiário diante da indignação fugaz, do falatório de frases feitas, da monotonia do próximo pedaço de pizza a ser fatiado. Repete-se o enredo, o cardápio e a sobremesa.


Para a turma do bem, a vida deveria repetir o roteiro de um comercial de margarina, um encarte de empreendimento imobiliário ou um panfleto de agência de viagens. E com o direito de exorcizar os mauzinhos, os feios e os que não se encaixam, como uma história barata de programa infantil.


Contato: [email protected]
Para acessar outros textos: www.conversasedistracoes.blogspot.com

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