Os políticos, quando querem
demonstrar preocupação sem resolver problemas, apresentam projetos de lei.
Descontando exceções, os projetos de lei costumam integrar o pacote jogar para
a torcida, que inclui a promoção de audiências e a criação de comissões.
O
Poder Legislativo é o reino das gavetas. Nestes lugares, há espaços de sobra para
abrigar projetos de lei que nasceram condenados ao papel. São filhotes que, de
caso pensado ou não, morrem antes de colocar a cabeça para fora do ovo.
Vereadores, deputados e
senadores adoram enquadrar o mundo em leis. É um vício cultural que parece
inerente ao Poder Legislativo, mas não tem origem na política, e sim na vida
cotidiana. Basta encostar a barriga no balcão de qualquer padaria ou se sentar
em um boteco para ouvir alguém defendendo novas leis para a solução de velhos
problemas. Como se papel jurídico, necessariamente, alterasse mentalidades e
valores.
Dois projetos de lei servem
como exemplos de ideias que nasceram para testemunhar o próprio velório. Após reportagens
sobre os privilégios parlamentares, políticos e jornalistas ressuscitaram o
projeto do senador Cristovam Buarque, que determina que políticos com mandato
sejam obrigados a matricular seus filhos em escolas públicas.
Não estranhe, leitor. A
associação entre benefícios parlamentares e escola pública é esquizofrênica
mesmo. O que talvez mereça reflexão é o cinismo que se esconde por trás da
proposta. Vamos supor que, num delírio coletivo, o projeto seja aprovado e
entre em vigor. É de um simplismo infantil acreditar que a matrícula dos filhos
em escolas públicas mudaria o pensamento dos políticos sobre educação.
A escola ficaria melhor?
Talvez as premiadas com a presença dos filhinhos de papai. Segurança
particular. Doação de recursos. Miçangas que jamais alterariam a cafonice da
roupa. A estrutura dá para apostar seguiria intocável. O fato é que políticos
não aprendem por exemplos. Políticos aprendem por resultados ou quando a faca
eleitoral encosta no pescoço. O que posso ganhar? O que posso perder se me
comprometer com esta ideia?
Em Santos, temos um exemplo
recente sobre um projeto de lei que nasceu com destino traçado: as gavetas das
comissões da Câmara Municipal. O vereador Valdir NaHora (PSB) apresentou um
projeto que proíbe passageiros de viajar em pé no transporte coletivo.
O projeto ganhou visibilidade
por causa do aumento médio de 7% no preço das passagens. Mesmo que seja bem
intencionada, a ideia é estéril. A proposta do vereador da bancada do governo
– não é realidade nos melhores sistemas de transporte do planeta. Até porque a
questão não é essa. Como disse uma amiga, ao conhecer a proposta:
Coitados de nós! Vamos
esperar dias por um ônibus.
Ainda bem que o projeto não
tirou o foco do reajuste nas passagens. Na Baixada Santista, são quase 200 mil
passageiros por mês. Ônibus enormes em vias estagnadas. Um modelo de transporte
cada vez mais individualizado, que privilegia carros e motocicletas. Tarifas,
na proporção, extorsivas. Os vereadores de Santos nunca entraram em conflito
com a Prefeitura para alterar o sistema vigente. Todos se acovardaram diante
das empresas de ônibus.
Este projeto engrossará a
lista dos natimortos. Mas permitirá ao vereador demarcar território, impor uma
postura ou simplesmente ir de garupa num tema atual e fazer média com grupos
eleitorais e colegas de bancada. Vencem as soluções mirabolantes como programas
de caronas e corredores de ônibus, enquanto encaramos um aperitivo da vida
paulistana.
Os parlamentares colecionam chances
perdidas. Não debatem questões públicas de maneira aguda, com planejamento,
diálogo com sociedade civil e costura com o Poder Público. Talvez eu esteja enganado
por crer que política representa sinônimo de coisa pública. Na lógica de
raciocínio de muitos profissionais da política, debate público jamais seria
oportunidade. Para enxergar assim, eles teriam que engolir uma pílula de consciência
coletiva.
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