Durante décadas, consolidou-se no imaginário coletivo brasileiro a crença de que apenas produtos e tecnologias estrangeiras oferecem qualidade e inovação.
Essa mentalidade, conhecida por aqui como a ‘Síndrome do Vira-Lata’, muitas vezes ainda resiste.
Empresas e principalmente consumidores neste país possuem uma inclinação natural para valorização de soluções importadas, subestimando assim, o grande potencial de desenvolvimento brasileiro na área de tecnologia.
Mas esta postura está começando lentamente a mudar.
No segmento da Tecnologia da Informação e Comunicações (TIC), nota-se que os números reforçam essa dependência externa.
De acordo com o Comex Stat – sistema oficial de estatísticas do comércio exterior brasileiro de bens do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), em 2024, o Brasil importou US$ 3,4 bilhões em equipamentos de telecomunicações da China, o que representa 57% do total de importações no setor.
Seguindo a lista de países fornecedores de tecnologia para o Brasil, o Vietnã aparece com 15% (US$ 878 milhões) e Taiwan com 2,3% (US$ 138 milhões).
No entanto, se por um lado mostra-se essa alta na dependência, por outro, há sinais claros de transformação deste cenário.
O estudo ‘Mercado Brasileiro de Software: panorama e tendências 2025’ divulgado em março deste ano pela Associação Brasileira das Empresas de Softwares (ABES) em parceria com a consultoria global International Data Corporation (IDC), posiciona o Brasil como o 10º maior mercado do mundo em investimentos em softwares, hardwares e serviços de TI.
Em 2024, o país investiu o montante de US$ 59 bilhões nessas áreas, refletindo a maturação do ecossistema nacional de inovação e digitalização.
Era da obsolescência programada e a força da alta tecnologia brasileira
Produtos tecnológicos importados muitas vezes são desenvolvidos planejadamente com ciclos de vida curtos, é a chamada “obsolescência programada”.
Isso resulta para o consumidor brasileiro custos recorrentes com substituições de peças/equipamentos e dificuldade de manutenção cada vez mais recorrentes.
A crescente insatisfação com esse modelo abre espaço para questionamentos estratégicos: o Brasil tem capacidade para competir em tecnologia de ponta? A resposta, embasada em dados recentes, é positiva.
Estamos investindo muito em tecnologia, e não obstante, partimos para o mercado da alta tecnologia que engloba o que há de mais moderno em inovação tecnológica em máquinas, equipamentos e softwares.
Dados do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI), divulgados neste ano, nos traz um recorte que é preciso ser enxergado com otimismo.
A indústria de alta tecnologia no Brasil cresceu 6,6% em 2024, na primeira expansão após cinco anos seguidos de queda.
O desempenho foi superior ao avanço de 3,8% da indústria de transformação no mesmo ano e aproximou-se da categoria de média-alta tecnologia, que registrou avanço de 6,9%.
Vale destacar que os segmentos que mais cresceram no país incluem: fabricação de aeronaves; produtos farmoquímicos e farmacêuticos; equipamentos de informática, e eletrônicos e ópticos.
Este último setor, por sinal, tem atingindo forte expansão com um intenso protagonismo de startups e centros tecnológicos.
Todos os dados confirmam que o Brasil não apenas consome tecnologia, mas também a produz com excelência em nichos estratégicos.
É preciso reconhecer, apoiar e impulsionar a inovação nacional
Uma coisa é fato, empreender no Brasil, especialmente em setores de alta complexidade tecnológica, exige resiliência e resistência.
Mas a capacidade criadora de adaptação e o profundo conhecimento do mercado local têm incentivado soluções tecnológicas legitimamente brasileiras, muitas delas mais eficazes e aderentes à nossa realidade do que os equivalentes estrangeiros.
Valorizar essas iniciativas no Brasil é fortalecer a economia, gerar empregos qualificados, fomentar a pesquisa científica e ampliar a autonomia nacional em setores críticos.
Trata-se de vestir, com orgulho, a camisa da tecnologia verde-amarela.
A inovação ‘made in Brasil’ está em ascensão. Para consolidarmos nossa posição como celeiro tecnológico, é essencial romper paradigmas, fomentar políticas públicas eficazes e, principalmente, acreditar no potencial criativo, técnico e estratégico da indústria nacional.
O futuro da alta tecnologia neste País não está mais distante. Ele já começou e é ‘brasileiro da gema’.
Paulo Sérgio Pires é jornalista, publicitário e professor de Comunicação. É gerente de atendimento da Vervi Assessoria de Comunicação. Possui mestrado e especialização pela USP, onde também foi pesquisador bolsista. Tem vivência em jornalismo industrial e novas tecnologias de produção e inovação.
Deixe um comentário