Existem várias músicas que falam sobre voar, como Sonho de Ícaro, de Biafra; Learning to Fly, do Pink Floyd; Broken Wings, de Mr. Mister, entre outras.
Elas falam de aprender a voar, reaprender a voar, curar feridas, ou voar bem alto, com o risco de se ferir.
Diziam que voar era para os pássaros, mas o voo disponível para os seres humanos não é somente por aeronaves.
Aliás, a criação de aeronaves decorreu de “voos” de pensamento, de sonhos que se tornaram realidade, de ousadias em desafiar o senso comum de seu tempo, de superar limitações.
Asas quebradas podem ter múltiplos significados, mas asas podadas normalmente se referem ao propósito de impedir voos, ou a limitá-los a “voos de galinha”.
É uma forma de condicionamento e, até, de escravidão.
No caso de seres humanos, o ato de podar asas limita seu pleno desenvolvimento, seu livre-arbítrio.
A humanidade pode estar perdendo um gênio, se bem que também pode estar sendo livrada de um algoz.
A doutrinação ideológica ou religiosa é uma forma de poda de asas, mas o conformismo não fica atrás.
Dois filmes que abordam esse tema, em contextos semelhantes: Como Era Verde o Meu Vale (1941) e Céu de Outubro (1999), ambos baseados em histórias verídicas e encenados em pequenas cidades, cuja principal atividade econômica é a mineração de carvão, empregando a maioria dos homens.
No filme de 1941, uma numerosa família tem o pai e os filhos mais velhos trabalhando nas minas.
No entanto, o pai decide que o filho deve ser um literato, investindo em sua educação.
Na produção de 1999, ambientada em 1957, o pai se orgulha de ser mineiro e tem planos para os dois filhos: o mais velho tem vocação para o esporte e recebe uma bolsa para estudar na Universidade; o mais novo, sem vocação bem definida, ele quer que trabalhe na mina, que se orgulharia dele só nesse caso.
Na escola local, uma professora tenta inspirar seus alunos a sonhar, enquanto o diretor prega o conformismo, como se não houvesse outra opção além do trabalho nas minas.
Seu argumento é que essa atividade é honrada, o que é fato. O problema está na poda de asas que esse conformismo representava.
No entanto, o jovem, fascinado ao ver o satélite Sputnik cruzando o céu noturno, decide, junto com outros três colegas, lançar foguetes.
Ele é motivo de chacota na cidade e de severa crítica do pai.
Tanto o personagem de 1941 quanto o de 1999 trabalharam nas minas em função de seus pais, não pelos mesmos motivos, antes de perseguirem seus sonhos.
Na vida real, o personagem de 1941 se tornou escritor, e os quatro personagens de 1999 alçaram outros voos profissionais, com ênfase no protagonista, que efetivamente se formou engenheiro e foi trabalhar na NASA.
É bem razoável associar as “minas” físicas e psicológicas à Alegoria da Caverna de Platão.
Ambas falam de um confinamento que limita ou condiciona o desenvolvimento dos seres humanos, perseguindo, inclusive eliminando quem traz uma “luz”, o que igualmente remete ao suplício de Prometeu.
O triste é que muitos seres humanos têm sido “educados” para não pensar, sendo submetidos a cartilhas ideológicas e religiosas, ou com seus pais obrigando-os, condicionando-os a seguirem suas profissões, desaprovando qualquer voo fora de seus planos.
No extremo oposto, voos de Ícaro são temerários, pois podem quebrar asas, não raro de forma definitiva.
O ideal, então, é que a educação ensine a fazer planos de voo, identificando vocações e fomentando seu desenvolvimento.
Infelizmente, há educadores idolatrados por pregarem limitações, podando asas para manter seres humanos sob as “asas de galinha” de suas crenças e opções, demonizando quem tenta voos fora de seu “espaço aéreo” ou descobre a luz fora da “caverna”.
Esses “educadores” podem até ter boas intenções, mas eles não podem ser paradigmas.
Adilson Luiz Gonçalves é escritor, engenheiro, pesquisador universitário e membro da Academia Santista de Letras
Deixe um comentário