Aprender para combater o trabalho escravo | Boqnews

Opiniões

15 DE JANEIRO DE 2025

Aprender para combater o trabalho escravo

Thays Brasil

array(1) {
  ["tipo"]=>
  int(27)
}

O Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo, celebrado em 28 de janeiro, representa uma oportunidade crucial para refletirmos sobre uma das mais graves violações dos direitos humanos ainda existentes: a exploração de pessoas em condições análogas à escravidão.

Embora avanços legais e institucionais tenham sido alcançados, o trabalho escravo permanece uma realidade no Brasil e no mundo, adaptando-se às circunstâncias contemporâneas e muitas vezes passando despercebido, mesmo diante de nossos próprios olhos, como acontece nos casos de trabalho análogo à escrividão em âmbito doméstico.

No Brasil, o trabalho escravo está previsto no artigo 149 do Código Penal como sendo a redução de uma pessoa à condição análoga à de escravo, sendo caracterizado pela submissão ao trabalho forçado ou a jornadas exaustivas, a sujeição à condições degradantes de trabalho, com ou sem restrição de locomoção.

No campo normativo brasileiro, o conceito transcende o trabalho compulsório (ou seja: o trabalho sem o consentimento da vítima) e inclui situações que ferem a dignidade humana e os direitos fundamentais do trabalhador.

É neste sentido que a caracterização do trabalho análogo à escravo independe de consentimento.

Como se pode imaginar, o trabalho escravo contemporâneo é muito diferente das imagens históricas de correntes e senzalas.

Ele se manifesta de forma sutil, mas igualmente cruel, em carvoarias, plantações, oficinas de costura e até em indústrias automobilísticas.

Nas cidades, o famigerado “quartinho de empregada” pode representar a atualização da senzala colonial.

É que, passados 136 anos da promulgação da Lei Áurea, o Brasil ainda não conseguiu se livrar desse mal. Somente no ano de 2023, 3.240 trabalhadores foram resgatados de condições análogas à escravidão no ­País, número 57% superior ao de 2022.

Em processo de atualização, após 16 anos, o “Plano Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo” vai incluir o trabalho doméstico entre as práticas de escravidão contemporâneas a serem combatidas com prioridade.

Muitas das vítimas dessa forma de exploração nem sequer são capazes de identificar o regime de servidão a que estão submetidas. Isto porque, em grande medida, as domésticas resgatadas, por vezes, são entregues aos patrões enquanto crianças, na expectativa de ter acesso a melhores oportunidades.

Não obstante a isso, verifica-se, na prática, que elas acabam por serem condenadas a uma situação de total subserviência, já que se mantém longe da educação formal, sem ler e nem escrever; algumas são portadoras de deficiências físicas ou mentais não tratadas; costumam estabelecer uma dependência emocional gigantesca com os exploradores de sua mão de obra, tendo em vista a falta de interação social; e muitas nem sequer recebem salário.

Afinal, “são quase da família” – como costuma ser a linha de defesa de seus empregadores.

Para combater essa prática, é essencial investir em educação e conscientização.

Muitos trabalhadores desconhecem seus direitos ou aceitam condições indignas por necessidade.

Campanhas de informação são fundamentais para empoderar essas pessoas.

Além disso, é vital que a sociedade civil participe ativamente, denunciando situações suspeitas de trabalho escravo através de canais como o Disque 100 ou o aplicativo “MPT Pardal”.

A fiscalização também desempenha um papel essencial.

Os desafios para erradicar o trabalho escravo no Brasil são muitos.

A extensão territorial dificulta a fiscalização em regiões remotas, onde a exploração costuma ser mais evidente.

A vulnerabilidade socioeconômica é outro fator, pois a pobreza extrema empurra indivíduos para situações de exploração.

Também, é desafiador lidar com a sujeição das pessoas com deficiência ao trabalho análogo à escravo, já que se trata de um público que, muitas vezes, vive na invisibilidade.

Visto de tal forma, o maior desafio é a própria prevenção.

É necessário fortalecer políticas públicas de modo a evitar que pessoas em situação de vulnerabilidade social fiquem expostas ao assédio de aliciadores de mão de obra escravizada.

O pós-resgate também é bastante desafiador, pois demanda um trabalho de muitas frentes para amparar a pessoa resgatada e para garantir a sua ressocialização.

Sendo certo que, apesar de todo esforço para a reconstrução da vida de quem foi resgatado, o Estado ainda deixa a desejar na punição dos responsáveis pela exploração da mão de obra análoga à de escravos.

Infelizmente, é comum que os valores de multas e ressarcimentos sejam insuficientes e que ninguém – ao final – seja responsabilizado no âmbito criminal.

Pois bem. O combate ao trabalho escravo exige uma atuação conjunta e constante de governos, empresas, organizações da sociedade civil e de cada cidadão.

Conhecer os direitos, denunciar abusos e exigir ações efetivas são passos fundamentais para construir um país mais justo e humano, onde a dignidade de todos seja respeitada e protegida.

O Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo nos lembra que a luta contra essa violação é um dever coletivo, e que avançar nessa agenda é essencial para alcançar uma sociedade verdadeiramente igualitária.

 

Thays Brasil é advogada trabalhista com formação em Administração de Empresas com ênfase em Marketing pela Universidade Estadual de Santa Catarina (UDESC) e em Direito pela Universidade do Sul do Estado de Santa Catarina. Pós-graduada em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho, respectivamente na Faculdade Damásio de Jesus e Fundação Getúlio Vargas.  Também atuou perante o Ministério Público do Trabalho. É sócia do escritório Feltrin Brasil Tawada.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Notícias relacionadas

ENFOQUE JORNAL E EDITORA © TODOS OS DIREITOS RESERVADOS

desenvolvido por:
Este site usa cookies para personalizar conteúdo e analisar o tráfego do site. Conheça a nossa Política de Cookies.