A história me foi
contada por uma vidente, daquelas que de vez em quando amarra amores ou
prevê mortes na porta do velório. Ela, com ar de seriedade, enxergou uma série
de crimes a partir de julho. Os detalhes, garantiu a vidente, aparecem em
sonhos, sempre nesta época do ano.
Na história, o motorista está na estrada. Ele acabou de
deixar a cidade de São Paulo. O rosto permanece encoberto. A silhueta não
define se é homem ou mulher. O gênero é único aspecto que se altera no sonho
repetitivo, além da música que escapa pelo som do rádio.
A
trilha sonora, pelo relato da vidente, é o que permite saber se o motorista está
cansado ou radiante. Depende também do dia da semana. Em dias úteis, o carro
rasteja rumo ao litoral. Exceção de sexta-feira, dia em que o viajante alimenta
a fantasia do final de semana ensolarado.
A
riqueza de detalhes, memorizada depois de tantas reprises, deu a chance de
entender que o motorista trafega por uma rodovia com pelo menos três grandes
túneis. E que será assaltado no mesmo lugar, do mesmo jeito, com ou sem
testemunhas.
O
motorista é parado pelo agressor quando ainda está no planalto, poucos
quilômetros antes de descer a Serra do Mar. O ladrão também não mostra seu
rosto. Não que estivesse de máscara ou gorro. É que não parece uma pessoa em
especial.
Mesmo
revivendo a experiência, a vidente não compreende dois pontos do sonho. O
primeiro: o motorista jamais reage, ainda que o assalto se repita diariamente.
Ele entrega o dinheiro e continua a viagem. Nunca houve violência física ou
ordens mais ríspidas por parte do agressor. Documentos nunca foram levados. O celular
não entrou na lista de exigências.
A
vidente não consegue entender também porque, assim que anuncia o assalto, ele pede
uma quantia específica. A vidente já imaginou as mais variadas hipóteses para
este detalhe. Por que pediria o mesmo valor todos os dias? Estaria a serviço de alguém? Toma dinheiro
alheio para comprar sempre a mesma mercadoria?
A vidente resolveu dividir o sonho comigo por causa de uma
mudança na última versão do pesadelo. Crê, agora, que a história se transformou
em visão. A data futura surgiu em um calendário jogado no banco do passageiro do
carro. Era 1º de julho, o que indicava uma nova ordem. A quantia arrancada do motorista
também era outra. A viagem do motorista ficou mais cara.
O motorista, sabendo que seria parado outra vez, separou
o dinheiro de sempre. Desejava evitar qualquer diálogo para seguir estrada
abaixo. Mas, pela primeira vez, o agressor fez dois movimentos diferentes. Balançou
a cabeça negativamente e, na sequência, indicou que queria mais dinheiro.
O motorista, mesmo surpreso, viu que estava com sorte,
diante das circunstâncias. Tinha no painel do carro um monte de moedas, as que utiliza
para comprar balas ou remunerar artistas de circo nos semáforos. Recolheu-as e
pagou para ser liberado.
A vidente fez as contas e concluiu que o motorista
desembolsaria mais de R$ 20, a partir de 1º de julho, para continuar o caminho
de casa. Reajuste de quase 10%. O pedágio havia subido mais uma vez.
Ela,
experiente em enganar pessoas, só não descobriu porque sonha com aumento de
preços, sempre no mês de julho, na rodovia dos Imigrantes. Talvez porque, neste
caso, pagar mais seja o único ponto previsível deste sonho.
Contato:
[email protected]
Para
acessar outros textos: http://www.conversasedistracoes.blogspot.com
Deixe um comentário