Fui deixar um amigo em um
destes prédios novos, nas imediações do ferry-boat, na Ponta da Praia, em
Santos. Era daquelas torres autodenominação da construtora que prometiam,
no material publicitário, vista para o mar. O canal do estuário tem água
salgada, mas me parece um pouco distante da paradisíaca vista marítima, que
por amor à terra acreditamos ter.
O edifício era uma fortaleza. Para alcançar o elevador,
três portões e a identificação junto a dois funcionários. Imaginei que, em
instantes, pediriam carteira de identidade, CIC e comprovante de residência. O
nome das torres misturava idiomas, mezzo francês, mezzo inglês. Enrolar a
língua para falar onde mora eleva o status. Não estou acostumado com tanto
glamour. Meu prédio tem o mesmo nome do bairro, Embaré. É fácil de guardar e
homenageia a origem indígena, apesar de desconfiar que o critério para escolha
do nome não tenha ligação com o Brasil colonial.
O apartamento segue a tendência: possui limite de
capacidade humana, como os elevadores. De tão pequeno, o apertamento lota com
meia dúzia de testemunhas. Mas o dono garante que a piscina e a pista de skate
foram atrações que pesaram na compra. A piscina permanece como sonho de
consumo. Por enquanto, só água quente de chuveiro. E o filho, este não é fã de
esportes radicais.
A sensação, diante das chamadas torres e seus parques com
nomes em inglês afrancesado, é de que estou em uma mini Alphaville. As mudanças
urbanas, sem o planejamento adequado para questões ambientais, tentam forçar um
modo de vida ainda incompatível com a cultura litorânea.
Fingimos
ser paulistanos naquilo que eles têm de pior. Compramos a vida em bolhas de
concreto e ferro. A cidade enfrenta problemas semelhantes, como violência
urbana e trânsito, mas obviamente em proporções bem menores. Como descartar a
praia e seus jardins para nos enfiarmos em shoppings, os cassinos sem roleta, onde
se perde a noção de tempo, dentro da estratégia de aumento de gastos?
Ainda
não entramos pode ser questão de tempo na era dos condomínios fechados,
forma moderna de higienização social, modelo de autoexclusão a pretexto de que
o mundo lá fora é perigoso demais. Na cultura do medo, procriamos grades,
interfones, correntes e funcionários de terno e gravata que nos observam como
tipos suspeitos.
Em
grandes metrópoles, como São Paulo e Los Angeles, é possível passar meses sem
sair do bairro, adquirindo suprimentos para o bunker anti-fim do mundo. E nada
de 21 de dezembro, é no calendário brasileiro mesmo! Viramos seres urbanóides,
que compramos acessórios imobiliários inúteis, como mercadorias supérfluas na
prateleira do supermercado. Um dia eu uso, costumamos dizer.
Percebi
o primeiro sintoma desta enfermidade social quando procurava apartamento para
comprar, há oito anos. Nesta época, os preços dos imóveis eram para humanos.
Seres extraterrestres não se encaixavam no público-alvo. A tática era, depois
de ver o imóvel, conversar com o zelador ou outro funcionário do prédio. Sempre
depois de se despedir do corretor, claro.
Em
uma das visitas, o corretor falava dos enfeites que o prédio possuía. Entramos
na academia, vazia e com cheiro de borracha virgem. Quando conversei com o
zelador, perguntei se a sala de ginástica ato falho do século passado era
nova. O zelador me olhou surpreso e respondeu:
Inaugurou há seis meses, mas vive fechada.
Nenhum morador faz academia?
A
maioria. Mas todo mundo treina fora. Quem vai querer ficar aqui sozinho?
A sabedoria do
zelador é a garantia de que certos valores culturais, felizmente, mudam mais
lentamente que o frenesi de consumo. Comprei um apartamento, em outro prédio. A
sala e os quartos eram mais confortáveis, inclusive porque prefiro dormir com
as pernas esticadas.
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