Como um filme que não sai de cartaz, a tragédia provocada pelas chuvas em Salvador, na Bahia, evidenciaram mais uma vez o descaso das autoridades públicas em relação a essa problemática, comum a muitas cidades brasileiras. Repetem-se assim, as consequências desastrosas geradas pela ausência de planejamento e pelos processos de expansão urbana ocorridos ao longo das últimas décadas. Pelo que se pode constatar, o adensamento das cidades resultou na acelerada e incontrolável ocupação de regiões de risco; em invasões de áreas de preservação ambiental e, sobretudo, no estabelecimento de núcleos de pobreza extrema. Corrigir os erros cometidos no passado não é tarefa fácil, porém é um dever de Estado que não pode ser mais negligenciado.
Protagonistas e vítimas desse processo, milhares de famílias vivem hoje sob o temor das tragédias anunciadas, sem qualquer perspectiva de solução em curto prazo. Mais do que promover intervenções contingenciais, às autoridades públicas cabe o dever de estabelecer novas diretrizes para o crescimento das cidades, que passam, obrigatoriamente, pela revisão do modelo de desenvolvimento econômico e social que se pretende para o Brasil. Descentralizar pólos de produção, exigir a inclusão de projetos habitacionais adequados nas áreas de expansão industrial, desenvolver campanhas educativas sobre a importância de manter as cidades limpas e, sobretudo, criar estímulos para fixar núcleos de moradias em regiões menos populosas devem pautar a introdução de novos conceitos desenvolvimentistas.
Além dos dramas familiares, as chuvas também trazem prejuízos imensuráveis a muitos setores empresariais, especialmente as que dependem de transportes e são obrigadas a paralisar atividades em razão das enchentes que interrompem importantes vias de tráfego nas grandes cidades. As intervenções que hoje se fazem necessárias para conter e reduzir as dimensões das tragédias servirão, mais uma vez, como meros paliativos diante de um problema insolucionável se tratado com complacência e omissão. Afinal, quantas mortes ainda haverão de ser registradas para revelar o que há muito está evidente?
O poder de mobilização e o espírito de solidariedade presente nas tragédias provocadas pelas chuvas devem servir como exemplo e prova da capacidade transformadora inerente da sociedade brasileira, que assim deve contribuir e exigir dos governantes a adoção de políticas duradoras para a construção de novos parâmetros de desenvolvimento sustentável. A criação de novos paradigmas certamente deverão excluir definitivamente a reprodução dos modelos configurados nas megacidades, que se revelaram perniciosos e condenam suas populações ao risco interminável provocados anualmente pelas chuvas.