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Opiniões

23 DE JANEIRO DE 2014

Crack e o vício eleitoral

Por: Da Redação

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Em ano eleitoral,
tudo se pode. Tudo se aceita. Tudo se fala. O destino dos viciados em crack na
cidade de São Paulo virou campanha eleitoral camuflada. Parece um jogo de
batalha naval, com a diferença que as peças representam vidas humanas,
inclusive as que afundam.

Analisar a questão da perspectiva Fla-Flu, ou PT-PSDB, é
mais do que ressuscitar velhos maniqueísmos político-partidários. De saída, afronta
a inteligência, simplifica um problema demasiado complexo e desvia os holofotes
de um quadro social bem mais profundo do que tirar um cachimbo das mãos de um
viciado ou simplesmente atirá-lo numa jaula.

Tanto a Prefeitura de São Paulo como o Governo do Estado
deveriam dialogar para combater um dos mais graves cenários urbanos do país.
Uma epidemia que dispensa classes sociais, endereços e, acima de tudo,
preferências de voto. Crack não é droga apenas de pobre, muito menos de
vagabundo! E, cá entre nós, a experiência cotidiana nos mostra que os dois
partidos são quase gêmeos, de mesmo idioma.

Ambos transformaram a tragédia de milhares de vidas em
política rasteira, baixa, tão suja como as roupas de um viciado de moradia ao
ar livre, na cracolândia de São Paulo. A polícia de Alckmin, como dizem os
adversários dele, manda bater e prender, misturando sem critério usuários e
traficantes.

A Corregedoria da Polícia Civil investiga denúncias de que
dois policiais comandam o tráfico na região. Um deles seria do Denarc, justamente
o departamento responsável para coibir o comércio de drogas.

A partir da ação desastrosa na cracolândia, nasce o segundo
passo da baboseira político-eleitoral. O jogo de empurra entre as chamadas
autoridades, aqueles sujeitos que deveriam colocar a mão na massa para reduzir
o cenário de ruínas de guerra. A briguinha retira o foco sobre a ação da
Prefeitura, que visa assegurar empregabilidade aos viciados, para se debater se
foram balas de borracha ou bombas de efeito moral, como se ambas não fossem violência.

A ação da polícia na cracolândia também acendeu os gritos
de que o Governo do Estado pretendia jogar água fria no trabalho da Prefeitura.
Tanto pode ser outro escorregão da Polícia, por falta de diálogo com outras
áreas, como uma tática política de fato. Nessa hora, prevalecem, infelizmente, a
especulação e a aparência sobre a apuração detalhada dos fatos.

Se considerarmos que se trata de um movimento no xadrez
eleitoral, ocupar a cracolândia com sirenes e viaturas seria estupidez ou falta
de memória. Até porque o próprio Governo do Estado é pai do projeto Recomeço,
que visa encaminhar usuários de crack para tratamento. O paciente recebe R$
1350 mensais, repassados às clínicas credenciadas. O projeto foi apelidado pela
imprensa, e espalhado como fofoca pelos adversários, de Bolsa-Crack.

O crack não representa somente um problema de segurança
pública. Antes de tudo, merece a atenção como doença, como caso de saúde. Independentemente
do fundo religioso, as clínicas tem feito boa parte do trabalho que os poderes
institucionalizados não conseguem fazer.

Cidades como Nova Iorque reduziram o consumo e venda de
crack com tolerância zero. Há usuários condenados a 25 anos de cadeia. Mas não apagou
o tráfico de drogas, sempre conectado aos altos escalões. Aliás, quem ouve os
discursos de políticos americanos e acompanha as mudanças de legislação percebe
que os Estados Unidos já reconheceram que a política de repressão das últimas três
décadas falhou por completo.

O crack deve ser tratado como um problema político. Como
política pública, e não política eleitoral. Enquanto os engravatados virarem as
costas para uma epidemia além da cracolândia, sobreviverá a visão de limpeza
social, que mistura ignorância, preconceito e intolerância. Nada como um olhar
retrógrado conforme a urna eletrônica e os votos se desenham no horizonte. 

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