Dirigido pelo cineasta franco-polonês, Roman Polanski, Deus
da Carnificina (Carnage) é uma adaptação da peça homônima da francesa Yasmina
Reza, que já foi encenada no Brasil, em 2011, ano em que o filme teve sua exibição
aqui no país através da 35ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. A francesa é coroteirista do filme e se junta a
Polanski e ao time de notáveis atores Kate Winslet,
Jodie Foster, John C.
Reilly e Christoph
Waltz três já foram premiados com o Oscar – que transforma
uma situação, para muitos, simples, cotidiana e banal, em uma zona de tensão
estabelecida dentro de um apartamento em Nova York.

Tudo começa em uma cena externa, em um parque onde garotos
brincam. Ao começarem a se aproximar da câmera o diretor quer deixar
explícito o estopim do efeito um dos garotos atinge o outro com um pedaço de
pau, arrancando-lhe dois dentes. Depois disso, o palco está preparado para os
pais dos dois garotos tentarem uma reconciliação e minimizar os efeitos de
discórdia pendentes entre eles.
Uma curiosidade: a cena externa, em Nova York, foi filmada
por um dos assistentes do diretor. Roman
Polanski está proibido de pisar em solo americano desde o escândalo que causou
sua condenação a mais de 30 anos. Ele foi acusado de ter estuprado uma jovem
menor de idade no país. Cumprindo prisão domiciliar, ele escreveu o roteiro do
filme. Acredita-se que a ideia de um longa em formato claustrofóbico, fechado
por paredes, tenha existência nos sete meses de confinamento em seu chalé, na
Suécia.
A primeira lembrança que me ocorreu ao começar assistir ao
mais recente filme de Polanski foi o filme Rope (Festim Diabólico, 1948), de
Alfred Hitchcock, que também foi adaptado de uma produção teatral escrita por
Patrick Hamilton e que, igualmente, se passa dentro apenas de um ambiente. Se
em Festim Diabólico Hitchcock consegue estabelecer o suspense autoral e
absoluto que tanto lhe deu de maneira tardia prestígio como um dos grandes
diretores até hoje, Polanski, de forma profissional e criativa crava o drama em
Deus da Carnificina.
Escalando atores competentes para dar vida às personagens complexas
e que sutilmente devem ir tomando formas através de comportamentos, expressões
e diálogos, a história comporta uma sequência estabelecida, mas que vai levando
o espectador a adentrar aos poucos naquela discussão que apresenta seu lado
cômico e trágico, embasado na falha da comunicação humana. Uma lacuna que é
representada no filme pelos falsos sentimentos e expectativas diante do próximo
e das crenças e desejos individuais.
A oscilação de humor entre os casais é como percebemos que
ninguém está satisfeito e à vontade com o quê ali estava sendo proposto. O personagem
Alan, interpretado pelo excelente ator Christoph
Waltz, em uma das cenas chega a dizer: não tenho utilidade aqui.
Também são colocados em jogo os aspectos morais e financeiros como forma de
agressão e tentativa de imposição de culpa entre eles. A cultura de cada um
interfere em uma tentativa saudável de resolver o problema de cordialidade com
o próximo.
É engraçado e fantástico como os papéis, em parte, vão se
invertendo. No começo, é servido aos convidados bolo de pera e maçã seguido de
xícaras e mais xícaras de café, representando uma forma de acalmar os nervos
encobertos pela falsa educação. Apenas para evitar brigas, não por desejo
próprio. O casal residente senta-se em poltronas de costas para a janela. O pai
e a mãe do garoto agredido, uma figura de julgadores. O outro casal, os pais
do agressor, está em um sofá, isto é, no banco dos réus. No segundo ato do
filme, entre acusações, ofensas e desabafos, tudo se torna uma terapia
compartilhada. Os acusadores agora são acusados, sentando no lugar em que os
outros estavam. O café e o bolo, naquela altura do campeonato, saíram de cena
para dar lugar a um uísque 18 anos.
Não tive a oportunidade de ver a peça teatral, mas digo que o
filme consegue comportar o peso que é formular uma técnica para conseguir prender
o público através de gestos e diálogos, sem que isso se torne entediante e
redundante. Roman Polanski realmente é um grande diretor e merece o reconhecimento
pelo trabalho feito para transpor Deus da Carnificina para a tela dos
cinemas.
Para quem ainda não teve a oportunidade de conferir, o filme
ficará em cartaz até o dia 22/11 no Cine Arte Posto 4 (Av. Vicente de Carvalho,
s/n – Santos). Sessões às 16h 18h30 21h. Informações e reservas:
(13)3288-4009. Os ingressos custam R$3 (inteira) e R$1,50 (estudantes). O local
é ótimo para conferir filmes internacionais e nacionais que muitas vezes não
ficam muito tempo no circuito comercial. Ou até mesmo, nem entram.
Confiram o trailer:
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