Encontro com a mãe | Boqnews

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27 DE DEZEMBRO DE 2012

Encontro com a mãe

Por: Da Redação

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Ele sempre seguia o fluxo. Era uma
forma de não ser visto, mas significava a fórmula para ser aceito.
Considerava-se comum, normal mesmo, enquanto sonhava em ser reconhecido como
alguém diferenciado. Naquela noite, manteve a coerência do rebanho. De branco,
foi até a praia. Tomou um gole de champanhe e exalou simpatia, inclusive os
parentes de língua solta.

Chegou a hora das sete ondas. Tirou
os chinelos e andou até a beira do mar. Sentiu-se como aquelas crianças do
interior na praia, não pela euforia, mas pela sensação de ser um alien na
própria terra, novato diante da maresia.

Pulou a última onda com a cabeça longe
dali. Mal sabia se saltara sete vezes. Acompanhou a mulher ao lado. Se ela
errou nas contas, paciência. A ceia o esperava. Esbanjaria conversa fiada,
temperada com algum conhecimento de almanaque e, assim que baixassem a guarda,
sumiria à francesa. Obrigação social cumprida.

Caminhou uns 15 metros e viu uma
senhora, sentada de pernas cruzadas, de vestido azul claro. Ela estendeu a mão
direita. Maldita hora em que manteve contato visual. Erro grave quando se
encontra com mendigos.

Ela segurou no braço dele e disse:

— Não se preocupe. Não quero seu
dinheiro que, aliás, você não tem. Diga isso aos dois bancos que costumam te
telefonar todos os meses.

Mesmo com o susto, ele conseguiu
rebater:

— Como a senhora sabe?

— Uma mãe sempre sabe, sempre sente
o sofrimento de seu filho.

— A senhora tem muitos filhos? Deixaram
a senhora aqui sozinha?

— Quem te disse que estou sozinha?
Estou cercada deles. A maioria se lembra de mim apenas quando precisa. Nesta
época do ano, prometem mais do que político em campanha. Promessas quase sempre
impossíveis diante de uma estrada sem curvas, previsível.

Quando viu, estava sentado ao lado
dela. Era o sinal para cortar o papo. Puxou o fone de ouvido e ameaçou se
levantar, quando ela falou:

— Filho, não adianta se alimentar
deste barulho. Ele não cala o silêncio do vazio. Você finge se isolar, mas
continua dependente.

— Dependente do quê, senhora?

— Viciado no rebanho. Deseja a
diferença, mas digere o igual. Sua vida, meu filho, é mais adestrada que uma
praça de alimentação. Você, como muitos de seus irmãos, come o que vê e, por
isso, só acredita no que conhece.

— Boa palavra. A senhora não me
conhece!

— A mãe sempre conhece seus filhos.

— A senhora se julga minha mãe? 

— E eu te espero aqui, à beira do
mar, ainda que não me veja. Ainda que não me sinta. Quem garante que você
retorne sempre que entra no mar?

— Mas eu não entro nesta água suja.

— O mar está além da água. E a
sujeira não está na areia ou entre as ondas. A sujeira reside na forma como nos
entendemos com ele.

Ele se cansou. Entendendo ou não,
ele tinha uma certeza: não precisava de uma nova mãe. Ainda mais uma que o
deixava sem respostas. Levantou-se, se despediu com boa noite e acenou para a
senhora.

Andou mais uns 20 metros e encontrou
a irmã.

— Mana, tive um papo maluco com uma
senhora logo ali. A mulher cismou que era minha mãe.

— Onde? Só se ela se perdeu na
multidão. Ou saiu correndo.

— Correndo? Com aquela idade? Ela
estava ali, de vestido azul claro.

— Ah, tá. Então, você viu Iemanjá?

— Iemanjá? Não
acredito no que não vejo. Sou como São Tomé.

— Nunca viu nossa mãe na igreja?      

— Confessar?
Comunhão? Missa? Jamais.

—
Quem falou disso? Vá e veja a imagem de Nossa Senhora. Talvez sinta a conversa
com nossa mãe. O nome dela, aliás, é o que menos importa.

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