Com o fim do Carnaval,
passamos a celebrar a memória. Passeamos do saudosismo à nostalgia, de lembranças
de paixões breves a amores de longa duração, de atos impublicáveis, às vezes
também condenáveis, a roteiros impregnados de poesia. O Carnaval se perpetua
além do samba e outros ritmos que arrastam milhões para as ruas. O Carnaval é
um intervalo no tempo e no espaço, que transita dos retiros onde a paz puxa a
bateria do silêncio até os bailes de salão, hoje rebaixados a um desfile de
segundo grupo.
Em Santos, o caldeirão de sentimentos que desenham e
marcam o Carnaval na memória terá como destaques o luto, a tristeza e a
revolta. A festa terminou muda, temperada com choro, irresponsabilidade e
desculpas esfarrapadas.
Mais
do que apurar notas em um Carnaval sem escola campeã, Santos terá que contar
mortos, feridos e um sem número de explicações para a falta de segurança. Fantasiados
de autoridade, o bloco de engravatados resolveu repetir à exaustão o samba-enredo
da fatalidade. Esta palavra, de tão desgastada, quase alcançou o propósito de
servir como máscara que aproveita o calor da hora e da dor para abafar investigações.
Fatalidade é bem menos desafinada que negligência,
termo que deveria ser, no máximo, sinônimo daquele folião que enforcou a
quarta-feira de cinzas.
Assim que os acidentes acontecem, a harmonia em dizer
obviedades se fantasia de desculpas que beiram o ridículo. Quando um garoto de
nove anos desmaiou após levar um choque em uma tenda na praia, as autoridades
tentaram ditar o ritmo culpando a natureza, que cismou em enviar um raio, ainda
que não houvesse chuva ou sinais de tempestade.
Como me disse um amigo, a precariedade do desfile das
escolas de samba não seria exposta se não tivessem ocorrido as quatro mortes. Teríamos,
de fato, o final de festa no sentido mais alienante. Quem seria o chato que
colocaria em dúvida a estrutura que serve para alimentar dias de suposta
alegria?
Depois
que o horror desfilou para as famílias, os foliões-gestores se dispersaram para
escapar das luzes da cobrança pública. Enquanto um folião cumpre a obrigação de
investigar, outro garante que todas as verificações foram feitas. Antes ou
depois do choque e do incêndio? O terceiro, vestido de pierrô, empurra a
responsabilidade para outra ala, ao mesmo tempo que o arlequim faz carinha
tristonha para defender a bandeira da fatalidade.
Em muitos carnavais, preferimos esquecer os excessos como
se não fossem parte de nós. Novas medidas de segurança são bem-vindas, desde
que não se tornem um cala-boca para o que aconteceu na Passarela do Samba e na
tenda da orla da praia. CPFL, Corpo de Bombeiros, Prefeitura e Polícia Civil
devem explicações dentro das respectivas alçadas. Até porque alvará, vistorias
e outros documentos não são como ingressos para baile, que se jogam fora depois
que a banda toca.
O Carnaval de 2013, por mais que a
memória nos traia com a construção de enredos bem melhores de nossas vidas,
será lembrado como aquele em que o luto atravessou o samba na avenida. Se houve
uma campeã, talvez se chame GRES Unidos da Negligência, com bateria nota 10.
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