Imposto mínimo e a falha da lógica tributária | Boqnews

Opiniões

11 DE DEZEMBRO DE 2025

Imposto mínimo e a falha da lógica tributária

Marcos Cintra

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Vivemos a era das improvisações, dos artifícios, dos remendos e das muletas tributárias.

No Brasil, um exemplo é o uso de um imposto como o IVA, próprio para utilização em cadeias de produção industrial, sendo aplicado nas operações financeiras e creditícias como manda a EC 132/2023, onde apenas com muita imaginação ou estímulo etílico se consegue vislumbrar algo remotamente similar a um elo produtivo semelhante ao das indústrias manufatureiras ou, com um pouco de esforço, ao de certas atividades prestadoras de serviços.

Mas o fenômeno acomete também a vetusta OCDE, com seus complexos Pilares 1 e 2 oriundos do projeto BEPS, e novamente no Brasil, com suas recentes investidas na tributação dos “super ricos” e com a ventilada proposta de um piso para o setor financeiro sugerida pelo ex-presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.

Trata-se da extravagância do “imposto mínimo”, superpondo-se à tributação convencional.

Os sistemas tributários em uso no mundo foram criados no século passado e focados na economia analógica de então.

Daí surge o desafio para a administração tributária que precisa arrecadar em um ambiente digital dispondo, apenas, dos instrumentos típicos da antiga economia industrial.

Frustrados em seus intentos, a implementação de impostos mínimos é vendida como uma solução para a justiça fiscal, ao passo que não passa do mais claro atestado da obsolescência de nossos sistemas tributários ortodoxos.

É a preguiça legislativa, incapaz de ajustar-se ao novo mundo, elevada à categoria de política pública.

A lógica por trás de um imposto mínimo é fundamentalmente irracional e agride a própria ciência tributária.

Ela consiste em conviver com um labirinto de regras, deduções e benefícios fiscais e, ao final, quando um contribuinte habilmente navega por esse emaranhado legal – utilizando as ferramentas que o próprio Estado lhe oferece –, ele é punido com uma cobrança suplementar.

É o Estado agindo contra si mesmo: uma mão oferece um benefício, enquanto a outra, ardilosamente, o retira.

Este caminho circular não é apenas ineficiente; ele é um insulto à inteligência e um atentado contra a simplicidade e a economicidade que deveriam nortear qualquer sistema de arrecadação.

A que serve uma legislação complexa, que permite o planejamento tributário, se o seu resultado prático é neutralizado por um “imposto de compensação”?

O resultado é um monstro burocrático, que gera insegurança jurídica, aumenta o custo de conformidade para as empresas e perpetua um círculo vicioso de complexidade.

A solução para as distorções não está em criar mais uma camada de regras para remendar as falhas do sistema, como o imposto mínimo.

Está em ter a coragem de reformar o edifício antigo e incluir algo novo, racional e funcional.

Se o objetivo é que as empresas paguem um percentual “justo” sobre o que de fato lucram, por que não atacar a raiz do problema?

Uma legislação que tomasse o lucro contábil como base de cálculo e aplicasse sobre ele uma alíquota pura, com um mínimo de exceções, seria infinitamente mais simples, transparente e eficaz.

A insistência nos impostos mínimos revela uma falta de vontade política para enfrentar as verdadeiras reformas necessárias.

Em vez de redesenhar tributos ultrapassados, segundo o governo, como o Imposto de Renda e a CSLL, que com suas dezenas de remendos já não cumprem sua função original, opta-se pelo caminho mais fácil: um atalho que apenas mascara o problema.

É hora de abandonar esses paliativos e discutir seriamente alternativas modernas e eficientes que o mundo já debate.

Modelos como a tributação de base ampla com alíquotas reduzidas (flat tax), impostos sobre o fluxo de caixa (cash flow tax) ou até mesmo a simplicidade radical de um tributo sobre a movimentação financeira (transactions tax) demonstram que é possível aliar arrecadação, justiça e, acima de tudo, racionalidade econômica.

Continuar no caminho dos impostos mínimos é admitir a inércia.

É aceitar que somos incapazes de criar leis claras e objetivas.

É, em última análise, evidência da incapacidade de implantar ajustes contemporâneos e inovadores, que exigem coragem e visão de futuro, e valer-se, por conveniência, da lassidão de um artifício que apenas adia a solução de um problema emergente.

Marcos Cintra é doutor em Economia por Harvard e professor titular da Fundação Getúlio Vargas. Foi Vereador, deputado federal, secretário especial da Receita Federal do Brasil do Ministério da Economia, presidente da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), secretário do Planejamento do Município de São Paulo, secretário de Finanças do Município de São Bernardo do Campo, secretário do Desenvolvimento Econômico e Trabalho do Município de São Paulo e subsecretário de Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado de São Paulo.

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