Lêdo Ivo: a poesia do caminhante | Boqnews

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19 DE JANEIRO DE 2016

Lêdo Ivo: a poesia do caminhante

Por: Da Redação

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 I

Feita essencialmente de imagens, a poesia de Lêdo Ivo (1924-2012) é, sobretudo, reflexiva. Como se o poeta precisasse andar muito, fazendo o seu próprio caminho, a exemplo do que sugere Antonio Machado (1875-1939), para poder refletir, “lavando com a água mais pura a ferida da vida”. É o que mostra em Quero ser o que passa: a poesia de Lêdo Ivo (Rio de Janeiro, Contra Capa Livraria; Maceió, Imprensa Oficial Graciliano Ramos, 2011), a professora Luiza Nóbrega (1946), com certeza, o estudo mais aprofundado feito aqui até da extensa obra do poeta alagoano.

Com título retirado da própria obra poética de Lêdo Ivo, o livro é constituído por ensaios que se foram formando a partir de 2002 com o retorno da autora à Literatura Brasileira, depois de anos de dedicação ao estudo de poetas portugueses – de Luís de Camões (1524-1580) a António Nobre (1867-1900) e à tríade da revista Orpheu, Fernando Pessoa (1888-1935), Almada Negreiros (1893-1970) e Mário de Sá-Carneiro (1890-1916) –, tarefa que lhe exigira longa permanência em Portugal em três estágios de investigação.

No primeiro desses textos, “O poeta caminhante”, Luiza Nóbrega diz que, a partir da leitura de Poesia Completa, de Lêdo Ivo, especialmente dos poemas “A passagem” e “O caminho branco”, em versos que evocam os de Antonio Machado, o poeta oferece “a chave para a compreensão em seu nível mais profundo (onde sua poesia é filosófica) do sentido que motivou e onde aportou sua caminhada”.

Para a ensaísta, a chave está no adjetivo “branco”. Ela mesma indaga: “Por que o caminho por onde vai o poeta é adjetivado com a cor em que todas as cores se reúnem e, ao reunir-se, desaparecem?” Pois bem, como observa, responder a esta indagação foi o propósito de seu primeiro ensaio e dos demais que compõem este volume.

II

Conhecedora profunda de Os Lusíadas, Luiza Nóbrega diz que, ao estudar Camões, o seu fio condutor foi a cadência rítmica, à qual juntou-se a trama semântica, mas na poesia de Lêdo Ivo “o primeiro fio foi uma presença por trás dos versos: a do caminhante”.  Ou seja: “um poeta caminhante, nunca em repouso, sempre a passar, percorrendo paisagens, nos oferta aparições, visões e reflexões sucedidas na caminhada”, diz.

No ensaio “O caminhante sibilino”, Luiza Nóbrega volta a ressaltar essa característica da poesia produzida por Lêdo Ivo, comparando o poeta a outros caminhantes sibilinos, como Rousseau, Beethoven, Garrett, Hesse, Schopenhauer, Heidegger, entre outros, que igualmente usaram o passeio por um bosque como metáfora. A diferença é que Lêdo Ivo, mesmo quando caminha por um bosque de outras latitudes, nunca esquece a sua pátria tropical, como se vê nestes versos de “Soneto à Pátria” escolhidos pela ensaísta:

            (…) Caminhando na neve nesta noite estrangeira,

            entre as sílabas negras dos frígidos pinheiros,

            murmuro ao vento o teu nome desmantelado.

 

            Ó pátria desamada, ó rameira insultada,

            quanto mais longe estás, teu espinho distante

            mais dói na minha mão inútil e gelada.

 

De fato, como diz Gilberto Araújo, doutor em Literatura Brasileira pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e pesquisador da Academia Brasileira de Letras, no texto de apresentação deste livro, “a poesia do escritor alagoano possui nítida inclinação metafísica, rastreando balizas para a identidade fugidia, em permanente sondagem existencial dos mistérios humanos e cósmicos”.

III

Em Portugal, Lêdo Ivo tornou-se mais conhecido a partir da publicação em 2012, ano de sua morte, de sua Antologia Poética (Porto, Edições Afrontamento), com seleção e prefácio do poeta Albano Martins. Ao resenhar sua Antologia Poética para o Jornal de Letras, de Lisboa, de 5-18 de setembro de 2012, o escritor Valter Hugo Mãe escreveu que Lêdo Ivo completava com Manoel de Barros, Ferreira Gullar e Adélia Prado a “cúpula superior viva da poesia brasileira de hoje”.

Há algum tempo, este articulista escreveu resenha em que pedia à comunidade intelectual lusófona que se esforçasse para indicar o nome de Lêdo Ivo à Academia Sueca, para fazer companhia a José Saramago (1922-2010), Prêmio Nobel de Literatura de 1988, o único escritor de Língua Portuguesa a receber o galardão até hoje. Daqueles quatro selecionados por Valter Hugo Mãe, só restam vivos Ferreira Gullar (1930) e Adélia Prado (1935). Como Lêdo Ivo e Manoel de Barros (1916-1914) já não estão entre nós, tanto a Ferreira Gullar como a Adélia Prado cairia bem o Prêmio Nobel. Se o Brasil não fosse uma pátria tão ingrata com seus filhos, teria havido mais empenho de todos e Lêdo Ivo não teria encetado o seu “eterno retorno” sem o Prêmio Nobel.

IV

Poeta, escritora e artista plástica, Luiza Nóbrega, 69 anos, é professora de Literatura e coordenadora do curso de Artes Visuais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). É doutora em Letras Vernáculas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1995-1996) com a tese “A traça no pano – contradicção de Baco n´Os Lusíadas”, mestre em Literatura Brasileira pela Universidade de Brasília (1982-1984) com a dissertação “Um romance maldito: o triunfo de Lúcifer sobre o arcanjo no Bom-Crioulo de Adolfo Caminha” e graduada em Direito pela UFRN. Tem ainda doutorado em Teoria Literária pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1994). E fez pós-doutoramento na Universidade Nova de Lisboa (2007-2008).

Desenvolve atividades de ensino, pesquisa e produção textual (poesia/ensaio/ficção), publicando ensaios em periódicos acadêmicos nacionais e internacionais. Como artista plástica, realizou diversas exposições no Brasil e no exterior. Pesquisadora do Centro de Literatura Portuguesa da Universidade de Coimbra e do Instituto de Estudos Portugueses da Universidade Nova de Lisboa, publicou também O canto molhado: metamorfose d’ Os Lusíadas (São Paulo, Editora Aqva, 2008); e No reino da água o rei do vinho: submersão dionisíaca e transfiguração trágico-lírica d’ Os Lusíadas (Natal, EDUFRN, 2013), entre outros.

Durante o regime militar (1964-1985), Luiza Nóbrega foi caçada por esbirros da ditadura e teve de viver sob disfarce por oito anos, fugindo de uma condenação à revelia. Sua história de vida, ao lado de outras semelhantes, faz parte de relatório preparado pela Comissão da Verdade da UFRN, lançado em Natal, em outubro de 2015.

Segundo reportagem de Igor Jácome, publicada em 19/10/2015 no Novo Jornal, de Natal, Luiza tinha 22 anos, em 1968, quando passou a frequentar as rodas dos resistentes ao governo militar na capital potiguar. Recém-formada em Direito, cursava Sociologia e Política na Fundação José Augusto, onde funcionou a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Natal e a Faculdade de Jornalismo Eloy de Souza.

Tornou-se amiga de líderes estudantis que pertenciam ao Partido Comunista Revolucionário (PCR), dissidência do Partido Comunista do Brasil (PCdoB). Era conhecida como “pequena burguesa”, já que seu avô materno era um latifundiário paraibano. Seu pai, José Nóbrega, era engenheiro e abriu uma empresa construtora em Natal atraído pelo avanço imobiliário da cidade. A família morava em Fortaleza. Luiza tinha seis anos de idade, quando chegou a Natal.

Como conta Igor Jácome, à época de jovem estudante, Luiza namorava Emanuel Bezerra, líder estudantil que foi condenado pelo inquérito que apurou a invasão por estudantes do restaurante da UFRN. Ao deixar a prisão em 1969, Emanuel passou a viver na clandestinidade. Foi quando o casal se separou. Emanuel morreu em 1973, vítima de torturas nas dependências do Doi-Codi, unidade do Exército, em São Paulo.

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Quero ser o que passa: a poesia de Lêdo Ivo, de Luiza Nóbrega. Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria Ltda.; Maceió: Imprensa Oficial Graciliano Ramos, 2011, 400 págs, R$ 39,00. E-mail: [email protected] Site: www.contracapa.com.br

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(*) Adelto Gonçalves, jornalista, é doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002), Bocage – o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003) e Tomás Antônio Gonzaga (Rio de Janeiro, Academia Brasileira de Letras/Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2012), entre outros. E-mail: [email protected]

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