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Opiniões

22 DE DEZEMBRO DE 2025

Logística para um novo ciclo de desenvolvimento

Frederico Bussinger

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Os portos brasileiros movimentaram 1.320 milhões de toneladas de cargas em 2024.

Ou seja, 3,7 vezes mais que no ano em que Dr. Ulysses Guimarães promulgou a “Constituição Cidadã” (1988), um crescimento anual médio de 3,7% ao longo dessas três décadas e meia.

Já em valor esse crescimento foi um pouco menor, apesar de ainda assim exibir números expressivos: a corrente de comércio, em valores constantes: cresceu 2,8 vezes, cerca de US$ 152 (61 nominais) para US$ 425 bilhões.

Esses indicadores ganham maior relevo quando lembrado que esse foi um período sincopado, no qual a economia brasileira enfrentou alguns solavancos, como, por exemplo, a crise da dívida externa, hiperinflação, Plano Real, crise do Subprime, pandemia da Covid; as duas últimas como parte do contexto internacional.

Dois aspectos merecem destaque nos dados anteriores:

• Qualitativamente, a diferença de crescimento medido em volume (3,7 vezes) e valor (2,8) nesses 36 anos deve-se, principalmente, ser atribuída à alteração da pauta exportadora brasileira. Nela é possível observar um aumento relativo das commodities, geralmente de menor valor agregado: em particular, grãos e minérios. Como a capacidade da infraestrutura logística está mais diretamente correlacionada a volumes, e esses foram proporcionalmente maiores, a demanda sobre a infraestrutura foi por ele balizada.

• Geograficamente houve um deslocamento da produção de commodities, tanto dos grãos como de minérios; antes muito concentrado no Sul-Sudeste brasileiro; deslocamento principalmente em direção ao Centro-Oeste mas, também, para a região do Matopiba. Isso significa que, inicialmente, as distâncias percorridas aumentaram muito; o que representou uma pressão adicional sobre a infraestrutura logística. OBS: “Arco Norte: nova fronteira logística, econômica e ambiental” trata desse processo. Revista Política Democrática de OUT/2021.

Certamente a chamada globalização, novos arranjos nas cadeias produtivas e de suprimento, desenvolvimentos tecnológicos em diversas frentes (com destaque para genética e TI), rearranjos geopolíticos estão entre as principais variáveis desse processo e desenvolvimento.

Mas ele não pode ser explicado sem que nesse rol se inclua a transformação pela qual passou a logística brasileira (infraestrutura e gestão); algo nem sempre percebido e/ou valorizado.

O crescimento da movimentação portuária (3,7 vezes) só foi possível porque suas capacidades se foram ajustando e acabaram dando conta do recado; certo?

Isso foi observado em praticamente todos os portos, além de alguns novos que foram implantados.

Mas vale destaque para o Porto de Santos: passou de 25 Mt para 180 Mt nesse período; ou seja, 7,2 vezes mais (média anual de 5,5%de crescimento).

Por sua vez, se foi movimentado no porto, em princípio a carga chegou/saiu por algum modo terrestre: rodoviário, o principal no Brasil.

Se sua malha federal cresceu “apenas” 30% (de cerca de 50 para 65.000 km) entre 1988-2024, sua capacidade foi significativamente impactada pela evolução dos trechos duplicados: 8 vezes (de 1.600 para 12.800 km). A paulista, alimentadora do Porto de Santos, ainda mais: 9,3 vezes (de 600 para 5.600 km).

Tanto no plano federal como estaduais, SP em particular, essas transformações ganharam grande impulso com reformas estruturantes em todos os setores; com destaque para maior presença do setor privado por meio de concessões e PPPs (nos caso dos portos, arrendamentos e autorizações); a saber: reformas portuárias a partir de 1993; concessões rodoviárias (federais: estudos a partir de 1993 e contratos de 1995; estaduais, 1998); ferroviárias (federal, 1996, e malha paulista em 1998).

Vale destacar nessas transformações:

• A malha ferroviária brasileira, que chegou a ter 38.287 km em 1960, atualmente tem cerca de 29.000 (estatísticas divergem!). Desses 14% “sem capacidade de transporte”, 24% “100% de ociosidade”, e 62% “trechos com tráfego”. Desde a desestatização, porém, da redução da malha operacional, sua utilização cresceu 2,6 vezes (de 153 para 397 TKU). Mais expressiva a de contêineres: 108 vezes (de 7 para 755 mil TEUs).

• Impulsionada pelo deslocamento da originação das commodities, instalações portuárias (marítimas e hidroviárias) e rodovias foram sendo implantadas no que vem sendo chamado de “Arco Norte”. Esse processo, essencialmente do Século XXI, tem sido bastante acelerado: em 2024 a logística do Arco Norte viabilizou a exportação de 55,1 Mt de soja e milho (34,6% do total do País), um crescimento de 7,7 vezes em apenas 15 anos; pois foram 7,2 Mt em 2009 (16,6% do País – metade da atual).

Olhando à frente

Comércio exterior é, apenas, parte do escopo/desafios da logística brasileira: há também o abastecimento interno.

Além dos granéis/commodities, há também carga geral (contêineres, incluídos) e cargas de projeto.

Logística não é apenas infraestrutura viária, visão reducionista amplamente difundida: de uma forma ou de outra, em maior ou menor grau; envolve, também, infraestrutura de transporte, serviços de transporte, infraestrutura associada (armazenagem, por exemplo), serviços associados (consolidação de cargas, por exemplo), distribuição espacial (principalmente nas regiões urbanas), alfândega, segurança (patrimonial e humana), sistema tributário, articulação intermodal (física, operacional e institucional).

Parodiando Belchior/Elis Regina, “apesar de termos feito tudo que fizemos….” o Brasil segue enfrentando gargalos em vários segmentos de suas cadeias logísticas.

E, certamente, em havendo um novo ciclo de crescimento econômico acelerado, algo no imaginário da maioria da sociedade brasileira, certamente esses gargalos acentuar-se-ão. Daí porque a necessidade da nossa logística ser repensada para os próximos 10, 20, 50 anos, ou até para o final deste século.

Tais transformações, porém, devem ir além das capacidades, dos volumes: há demandas e condicionantes qualitativos já postos, e que deverão se acentuar doravante.

Três se destacam:

• A mudança da Matriz de Transportes, no sentido do aumento da participação relativa da ferrovia e modos aquaviários é objeto dos planos brasileiros de transporte, federais e estaduais, há décadas. Por exemplo: o Plano Nacional de Logística – PNL prevê que o modo ferroviário passe de 18% (2017) para, “no mínimo” 30% no seu horizonte (2035); havendo cenário de 44%!

• A pauta ambiental (normas e metas), na qual se destaca a transição energética, diretamente associada ao transporte e, por conseguinte, à logística. Também uma regulamentação da Convenção OIT-169, da qual o Brasil é um dos 24 signatários, entre os 187 países-membros, no sentido de permitir maior racionalidade e previsibilidade na sua aplicação: ela é o marco principal para os licenciamentos ambientais, principalmente dos novos projetos, mormente no Arco Norte (como é o caso da Ferrogrão, atualmente há 5 anos em julgamento no STF).

• O E-commerce e delivery, que ganharam grande impulso durante a pandemia, são novos desafios para os gestores urbanos; a par da chamada “last mile”, já de algum tempo tema recorrente do abastecimento das cidades.
Grandes desafios já de per si. Compatibilizá-los, maior ainda. Viabilizá-lo, então, é algo que tem parecido cada vez mais difícil no Brasil.

O Governo Federal trabalha, atualmente, na elaboração do PNL/2050, balizado pelo Decreto nº 12.022/2024: ele define ser o plano nacional (não apenas federal); abrangendo pessoas e bens; deve ter visão territorial e dinâmica integrada; ser focado na competitividade nacional, desenvolvimento regional e integração nacional.

E uma importante inovação: ter metas e indicadores que permitam o monitoramento e avaliação de resultados.

Em síntese: ele deve ser inter-modal; inter-funcional; inter-institucional e monitorável.

O Decreto é, assim, um bom ponto de partida e balizador para a definição do “o que” é necessário e deveria ser feito doravante para a logística brasileira.

Mas, para que não seja mais um plano que fique só no papel (ou PPTs), só nas (boas) intenções, seria igualmente desejável que o PNL/2050 também inovasse contemplando ao menos algumas diretrizes do “como” fazer (ainda que a serem desenvolvidas em instrumentos complementares): como em termos de maior previsibilidade e celeridade de autorizações e licenciamentos; como no que concerne a fontes/financiabilidade dos empreendimentos; como em termos de capacidade industrial e construtiva; como no tocante a mão de obra qualificada; como no tocante a garantia de qualidade; como no tocante a compartilhamento e mitigação de riscos; como no tocante à governança.

Parodiando marca esportiva famosa: “just do it”!

 

Frederico Bussinger é consultor, engenheiro e economista. Pós-graduado em Engenharia, Administração de Empresas, Direito da Concorrência, e Mediação e Arbitragem. Exerceu o cargo de diretor na Codesp (atual APS – Porto de Santos), Departamento Hidroviário/SP e Metro/SP. Presidente da Docas de São Sebastião e CPTM (trens metropolitanos de SP). Membro da Comissão Diretora do Programa Nacional de Desestatização – CD/PND. Coordenador do GT de Transportes do Comitê Gestor da Política Estadual de Mudanças Climáticas – PEMC/SP. Secretário de Transportes de São Paulo/SP e Secretário Executivo do Ministério dos Transportes.

 

Artigo publicado originalmente no site da Fundação Astrogildo Pereira

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