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Opiniões

01 DE JULHO DE 2011

Mentiras

Por: Da Redação

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Minto todos os dias. Minto para várias
pessoas. Minto para proteger a mim e aos outros. Minto para me esconder. Minto
para cumprir convenções sociais. Minto descaradamente ou sem perceber.

Os estudos sobre o comportamento mentiroso
indicam que contamos, em média, 200 inverdades (uma forma educada de evitar a
repetição de palavras) por dia. A maioria delas são de pequeno porte e de perna
curta. São atos circunstanciais, que asseguram a sobrevivência cotidiana,
evitam conflitos por bobagens e driblam obstáculos desnecessários para a
convivência, inclusive com aqueles que merecem ouvir mentiras sempre.

Descontando as mentiras tóxicas, fraudulentas
ou de má fé, enganamos quase sempre sem premeditar. As pequenas mentiras flertam
com o irracional, o instintivo, nascem pela ausência de reflexão, pela vontade
de seguir em frente, despachar alguém ou uma situação com potencial dano.

Enganamos quando dizemos bom dia para o
vizinho insuportável. Mentimos quando elogiamos a roupa bonita da namorada para
garantir uma noite sem melindres. Somos estelionatários afetivos quando
enaltecemos o desempenho sexual do(a) parceiro(a) para não magoá-lo(a).
Fingimos adorar um filme para que o amigo-fã não tumultue a pizza
pós-espetáculo.

Elogiamos a comida da sogra pelo bem do
casamento. Não o dela, claro. Concordamos com as ideias do chefe para garantir
o salário do próximo mês. Prometemos aos deuses mudança de comportamento,
tremendo de medo pela punição dos céus ou de viajar ao inferno sem direito ao
purgatório.

E quando mentimos para blindar alguém da
dor? É o caso de um amigo, que escondeu o desemprego de um parente para
preservar o casamento dele. A encenação envolveu levá-lo ao trabalho-fantasma
por dois meses.

A dor pode ser mais aguda no momento em que
morte e mentira dão as mãos. Tentamos fraudar a morte o tempo todo. De cara,
legislamos em causa própria. Fazemos o que for possível para evitar um encontro
com o sujeito de capa preta e foice na mão direita, o anjo da morte ou ceifador,
qualquer que seja o nome que as culturas dão a ela.

Desejamos ignorá-la quando se aproxima para
levar alguém querido. Procuramos por milagres, acendemos velas para todas as
crenças, fazemos promessas tão mirabolantes que envergonhariam o mais sujo dos políticos.
Tudo por um pouco mais de tempo com aquele que, muitas vezes, juramos socar por
mesquinharias e outras tralhas que habitam nossa pequenez,

Quando a morte (ou qualquer muro
intransponível) se aconchega, adotamos o mundo das ilusões. Conheço pessoas que
souberam da morte de entes queridos meses depois porque parentes pretendiam
protegê-las. O sentimento de traição do “protegido” pode ofuscar a dor da
perda. Um esqueleto a mais para trancar no armário, geralmente lotado de
artificialismos ou de contas não acertadas.

A mais grave das mentiras, porém, sobrevive
e se realimenta em vida, no permanente exercício do auto-engano. Mentiras
recitadas para outros, ainda que minúsculas, podem ser avaliadas, consertadas,
até passíveis de desculpas ou de arroubos de sinceridade.

O problema está nas mentiras que contamos
para nós mesmos, cegos pela certeza de uma verdade que nunca existiu. Jamais
duvidar de si e dos próprios caminhos é o veneno que perpetua a cegueira de
quem não percebeu a mentira exaustivamente reprisada como dogma.

Contato: [email protected]

Para
acessar outros textos:
www.conversasedistracoes.blogspot.com

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