Os médicos estão
deslocados. Derrotados politicamente, eles assistiram à dez categorias da área
da saúde vibrarem com o veto parcial da presidente Dilma Rousseff ao Ato Médico,
depois de 11 anos de tramitação. Os médicos, com perdão da generalização, reforçaram
a imagem de arrogantes, pela postura dos conselhos, que optaram por espernear a
negociar. A promessa é brigar no Congresso Nacional pela medida.
As reações são sintomáticas. A doença, identificada como corporativismo
extremus, se manifesta também por conduzir os homens de branco ao isolamento. Ao
mesmo tempo, os sinais apontam para cegueira social, interpretada pelos
adversários como a cicatriz do Complexo de Deus.
Um exemplo foi quando a categoria resolveu ir às ruas
para protestar, não pelo Ato Médico, claro, mas contra a proposta de importação
de médicos de outros países como Cuba, Portugal e Espanha. Soou patético ver
profissionais e estudantes carregando faixas e cartolinas, sem apoio mínimo da
população e completamente alienados à pauta pública dos protestos pelo país.
A doença, repito, eleva a miopia sobre o que acontece a
sua volta. Tanto que os médicos prometem protestar na próxima terça-feira, entre
outros lugares, na Praça Roosevelt, em São Paulo. Não passarão de meia dúzia de
pontos brancos pingados, com papel coadjuvante no noticiário, diante de
categorias mais abertas ao momento histórico e de movimentos que impactam a
sociedade justamente porque não se organizaram de forma institucional.
Os médicos perderam a oportunidade política de atrair à
opinião pública quando o Governo fez a proposta de importar colegas. A ideia
integra a lista de invencionices mirabolantes da gestão Dilma que, assim como
as anteriores, reage por reflexo, sem mexer nas vírgulas que confundem a
leitura do país.
Os
médicos jogaram no lixo séptico a chance de expor um governo que finge escutar
as ruas, enquanto responde por propostas natimortas e inúteis. A categoria
embarcou numa dose de remédios pontuais, que pouco ou nada abalam o debate
real, urgente, que merece terapia intensiva.
Ninguém
entendeu, para variar, os garranchos médicos, que alertavam para as
deficiências estruturais do sistema de saúde. Eles se comportaram como crianças
birrentas, que batem os pés contra a ausência de doce no almoço, em vez de duvidar
da pedagogia da mãe. No caso, de nome Dilma.
Até
o momento, o Governo venceu com doses homeopáticas o tratamento dos médicos
dado às duas questões. A história mostra que quem luta em duas frentes de
batalha simultaneamente morre de inanição.
A
gritaria médica segue anêmica. Os médicos, em reação febril, misturam e, por
conta disso, diluem argumentos, que reforçam o corporativismo como a doença que
corrói a categoria. Todos os grupos tendem ao espírito de corpo, raro cortar a
própria carne, mas não significa virar as costas para outros problemas nacionais.
E muito menos se fechar ao diálogo com outras categorias da saúde, que fornecem
suporte nos hospitais e clínicas.
Propor
dois anos de dedicação ao SUS para recém-formados, trazer cubanos, espanhóis,
portugueses ou alienígenas, fingir que não faltam médicos no país, desviar o
termômetro que avaliaria a má formação dos universitários, tudo são velhos
sintomas requentados para desinformar os pacientes.
Os
pacientes são os que esperam na fila porque não tem dinheiro. Os pacientes
somos nós possuímos planos por conta de nossos empregos e esperamos menos meses
por consultas. Os pacientes somos todos que não queremos mais cuidados
paliativos de uma estrutura que parece saudável por fora, mas está repleta de
tumores em seus órgãos.
Os pacientes
sofrem de males reais, assim como os médicos, que infelizmente preferiram inocular
em si o corporativismo tipo 3, variação da enfermidade que delega aos
representantes a prática política nos corredores do poder, e não da vida
dolorosa dos postos de saúde.
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