O frio colocou a
população de rua novamente na pauta política. O tema, invisível no cotidiano
social e ignorado em campanhas eleitorais, reapareceu com o anúncio do acordo
entre a Prefeitura de Santos e a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas
(FIPE), ligada à Universidade de São Paulo.
Pelo contrato, a Fipe vai produzir a partir de setembro
um censo sobre o número de moradores de rua na cidade. O serviço vai custar
R$ 221 mil aos cofres públicos municipais. Não é a primeira vez que a
administração municipal tateia um problema que finge acompanhar nos últimos 10
anos.
O censo é um passo, mas a política que o cerca provoca
algumas dúvidas. A Prefeitura sabia, por exemplo, que a Universidade Federal de
São Paulo (UNIFESP), sediada em Santos e com cursos nas áreas de Psicologia e
Serviço Social, está produzindo uma pesquisa sobre a população de rua?
As
informações estão no site da instituição, o assunto saiu na imprensa local, e
servidores municipais se encontraram com professores e estudantes da
universidade este ano. A promessa é que os resultados sejam divulgados em
agosto, antes mesmo do início dos trabalhos da Fipe.
A
Secretaria de Assistência Social estimava, há cerca de duas semanas, mil pessoas
na rua. O fato é que basta andar pela cidade, dos bairros nobres da orla aos
menos abastados, para constatar a grande quantidade de gente morando embaixo de
marquises, perto de armazéns e nas calçadas.
Na
primeira gestão de João Paulo Tavares Papa, a Prefeitura falava em 300
moradores de rua. O limite dos abrigos era de 150 vagas. Na segunda gestão, o
número de gente desabrigada dobrou. O número nos abrigos permaneceu igual;
aliás, o mesmo até agora.
O
atual prefeito esperou sete meses para anunciar as medidas, exatamente no
período mais frio do ano. Por que não se baseou na fábula da formiga e da
cigarra e acelerou no verão? Se pensarmos que o censo começará em setembro, o
trabalho será concluído somente no início de 2014. As dores do frio de hoje, de
amanhã e da próxima semana vão aguardar?
A Fipe
deverá descobrir o que assistentes sociais, psicólogos e operadores sociais
comentam nos corredores da Prefeitura depois de ouvir no atendimento nas ruas. Parte
desta população marginalizada tem origem em outras cidades da região, e muitos
vieram de São Paulo.
Santos
vai cobrar que as cidades vizinhas assumam responsabilidades? Haverá a implantação
de políticas públicas metropolitanas? Até agora, a agência-cabide só gastou
saliva, sorrisos e cafezinho. A Região Metropolitana ainda é um nome bonito
para os jornais e a classe política.
De
concreto, a Prefeitura inaugurou um centro de acolhimento para os moradores de
rua, visando atendimento diurno. O imóvel pertence ao Albergue Noturno e fica
na rua Conselheiro Saraiva, na Vila Nova. O aluguel custa R$ 3 mil por mês. Havia
a necessidade urgente de um espaço com estes objetivos.
No
entanto, o centro de acolhimento levanta outra dificuldade. E a mão-de-obra
especializada para atender os moradores? Os espaços de assistência social
operam no limite da capacidade. O orçamento da pasta não permite voos substanciais.
Em abrigos noturnos, é comum apenas dois funcionários para cuidar de até 30
pessoas, muitas delas dependentes químicos.
A impressão é que o pacote reproduz o velho método de
política de Governo, que por conveniência deixa no canto o passado e não
projeta a longo prazo. Isso sem falar na necessidade de contexto, que inclui diálogo
com demais áreas da Prefeitura, para que o morador deixe em definitivo sua
condição de miserabilidade.
Se
isso acontecer, teremos política pública, que ultrapassa a validade de quatro
anos. Até porque, para quem utiliza uma marquise como teto do quarto sem portas
e janelas, as noites têm sido longas demais.
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