Há um instante em que a cidade parece respirar junto de nós.
Não é reflexo de vitrine, mas uma dobra suave do dia, como se o tempo hesitasse antes de seguir adiante.
Nesse intervalo percebemos que caminhamos pelo futuro que os séculos anteriores imaginaram com fervor.
Entramos no século XXI como quem pisa num sonho antigo e um pouco desalinhado.
Havia quem acreditasse em ruas suspensas, convivências equilibradas e tecnologias que tornariam a vida mais humana.
Aposta-se que os anos 2000 trariam maturidade, que 2010 marcaria um salto ético, que 2020 seria a consciência plena.
Muitos imaginaram 2030 como uma espécie de poesia urbana finalmente organizada.
O presente, porém, revela outra paisagem. As praias devolvem o que insistimos em ignorar.
Os manguezais respiram com cuidado, como quem pede calma.
Os rios contidos por concreto procuram a memória do leito original.
Não há jardins suspensos nem avenidas visionárias como nas antigas fantasias.
Há satélites, algoritmos e telas sempre acesas, mas ainda tropeçamos nos mesmos hábitos que atravessam gerações.
Avançamos em muitas frentes, mas patinamos no essencial: o cuidado contínuo com a paisagem que nos sustenta.
E então chega dezembro com sua luz oblíqua e sua franqueza delicada.
O mês em que o ano inteiro sussurra aquilo que tentamos não escutar.
Nesse clima de pausa involuntária, a lembrança da pandemia retorna.
Quando recuamos um pouco, a natureza avançou com tranquilidade.
As águas clarearam, aves reapareceram, florestas respiraram como se tivessem aguardado apenas uma brecha.
Por instantes, o planeta mostrou que sabe se recompor, e que talvez nós tenhamos interrompido esse processo por excesso de pressa e descuido.
Esse contraste nos atravessa. De um lado, o futuro idealizado; do outro, o futuro concreto, que insiste em nos convidar para uma conversa mais profunda.
Passamos anos transferindo decisões importantes para depois, empurrando responsabilidades como quem desloca um móvel pesado esperando que outro finalize o movimento.
Dezembro observa tudo isso em silêncio e devolve a pergunta que acompanha a humanidade há muito tempo: até quando acreditaremos que é possível adiar o futuro sem pagar o preço?

Alessandro Lopes é arquiteto, cronista, pesquisador de cidades criativas e inteligentes, e consultor regional do Instituto Multiplicidades
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