O neo-coronelismo | Boqnews
Ilustração: Storni. Publicada na revista Careta, em 1927. Imagem de domínio público

Opiniões

29 DE SETEMBRO DE 2025

O neo-coronelismo

Gaudêncio Torquato

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Tem sido consenso, entre os analistas políticos, que o país atravessa um dos piores momentos de sua vida parlamentar.

O articulista Merval Pereira, de O Globo, é duro na crítica: “o Congresso bate o recorde de ações amorais”.

Deputados se elegendo prefeitos, prefeitos se elegendo deputados, senadores se elegendo governadores, governadores se elegendo deputados; enfim, esse é o retrato da nossa vida parlamentar.

A estampa visual do presidente da Câmara, deputado Hugo Mota, não corresponde ao seu pensamento.

Muitos acham que é um novo representando a velhice.

De uma família política da região de Patos, na Paraíba, chegou à presidência da Câmara sob a chancela do deputador Arthur Lira, também um representante da Política do “é dando que se recebe.”.

Ou seja, o Congresso Nacional continua a ser um dos bastiões do coronelismo no Brasil.

Dito isto, é de se perguntar: “há sinais de mudança a vista? Pouco provável que isso ocorra. O coronelismo na política é uma árvore de raízes profundas.

Como se sabe, o coronelismo é um fenômeno da política brasileira ocorrido durante a Primeira República.

Caracteriza-se por uma pessoa, o coronel, que detinha o poder econômico e exercia o poder local por meio da violência e trocas de favores.

A palavra coronelismo é, na realidade, um abrasileiramento da patente de coronel da Guarda Nacional.

O cargo era utilizado para denominar os cargos aos quais as elites locais poderiam ocupar dentro do escalão militar e social brasileiro.

Esse fenômeno teve início durante o Período Regencial (1831-1842). Como o Império do Brasil encontrava sem um Exército forte e centralizado, o governo apela para os dirigentes locais a fim de constituir milícias regionais e assim, combater as rebeliões que aconteciam no país.

Naquele momento, foram colocados à venda postos militares como o de tenente, capitão, major, tenente-coronel e coronel da Guarda Nacional.

Aos olhos da população local, ser coronel era equivalente a ter um título nobiliárquico e passou a legitimar muitas das ações dos chefes locais.

Os coronéis podiam recrutar pessoas para compor a força militar do governo.

O fenômeno do poder do coronel foi tão presente que se confunde com outros termos relacionados, tais como mandonismo, clientelismo e, até feudalismo.

Na América hispânica encontramos similitude com o caudilhismo.

Historinha do coronel Chico Heraclio, o último coronel do Nordeste: mandou na cidade do Limoeiro (PE), afirmando que as eleições em sua cidade “tinham que ser feitas por mim”.

Heráclio era de que em dia de votação distribuía aos eleitores, em envelopes lacrados, as chapas de seus candidatos.

Um mais afoito dirigiu-se a ele, depois de ter votado: “Fiz tudo certinho, coronel, como o senhor mandou. Agora me diga uma coisa: em quem eu votei?'”.

A resposta veio rápido: “Nunca me pergunte uma coisa dessa. O voto é secreto, meu filho”.

Outro episódio engraçado: o do pênalti que o coronel mandou o juiz cobrar a favor de seu time, o Colombo.

Foi em um jogo com um clube do Recife. O empate sem gols permanecia quando, a poucos minutos do fim, o árbitro marca a penalidade máxima para os visitantes.

A confusão foi armada, sem que Chico Heráclio soubesse o que estava ocorrendo.

Ao ouvir as razões do juiz, decidiu dar a razão a ele. Um assessor disse-lhe no ouvido que o Colombo perderia o jogo. Então o coronel ordenou: “cobra, sim, mas contra a outra barra”.

Os territórios controlados politicamente pelos coronéis eram denominados “currais eleitorais”.

Neles, qualquer um que se negasse a votar no candidato apadrinhado pelo coronel poderia sofrer violência física e até morrer.

Esse método ficou conhecido como o “Voto de Cabresto”.

Apesar de toda hegemonia durante a República Velha, o coronelismo perdeu espaço com a modernização dos centros urbanos, bem como pela ascensão de novos grupos sociais.

Igualmente, a Revolução de 30, liderada por Getúlio Vargas, pois fim a esta maneira de fazer política.

Até hoje podemos verificar sua influência no Brasil ao perceber o domínio de uma mesma família em certas regiões brasileiras.

Basta olhar para a cara do Congresso para constatar a força do neocolonialismo.

Basta ver também que o Congresso tender a jogar no baú do esquecimento, projetos de lei que contrariem os interesses de bancadas que jogam no tabuleiro do “toma-lá-dá-cá”.

Há inúmeros projetos de reforma política que continuam no baú do esquecimento.

Haveria mecanismos para se fazer uma reforma em profundidade?

Alguns fatores e variáveis são citados, dentre as quais a reforma política e eleitoral, o fim ou redução da reeleição cruzada, barreiras para que ex-governadores imediatamente disputem o Senado, ou senadores retornem à Câmara sem intervalo, cláusulas de barreira mais fortes, que dificultariam a proliferação de partidos usados como meras legendas de aluguel, sustentáculos dos coronéis locais; a adoção do voto distrital misto ou distrital puro, que poderia enfraquecer oligarquias estaduais, ao aproximar representantes de bases menores, porém sob risco de reforçar o poder de coronéis locais.

Na área da regulação da comunicação política, a medida mais adequada, segundo os especialistas, seria reduzir a concentração de concessões de rádio e TV em famílias políticas.

Eis o dilema central: coronelismo moderno é um sistema de poder que se adapta, quando se fecha uma porta, ele encontra outra.

 

Gaudêncio Torquato é escritor, jornalista, professor titular da USP e consultor político

 

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