Caro leitor (eleitor) desconfiado, esta semana testemunhei dois
espécimes-candidatos vagando por sorte, só dois pelas feiras livres. Por
causa disso, me lembrei de um texto que julgava ter escrito há dois anos.
Alguns destes espécimes poderiam falar em autorretrato biológico
comportamental, pois para agradar vale qualquer expressão pretensiosa e
bajuladora.
O texto se mantém atual,
infelizmente. Mas tenho que confessar um engano, votante leitor. O texto tem
quatro anos de vida. É de setembro de 2008, o que reforça nossa tragédia
eleitoral. Abaixo, o flagelo de quem esbarra neles quando pretendia somente
comprar meia dúzia de tomates para o almoço.
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O retorno é discreto, coerente com o desaparecimento por quatro anos. A
conversa, de pé de ouvido, nasce amistosa. Quem ressuscitou finge interesse e
estimula o interlocutor a conduzir de maneira ilusória o diálogo. O tom
baixo de voz contrasta com os berros dos vendedores que precisam atrair os
desconfiados clientes.
O visitante, tal um elefante em loja de cristais, sabe da má reputação
de seus colegas (ele sempre se considera exceção) e, por isso, precisa de
paciência para conquistar quem tende a considerá-lo fruta de final de feira.
O estranho no ninho não trabalha como um
solitário. O sonho é transparecer onipresença. Um exército de aliados de
ocasião foi contratado, devidamente equipado com bandeiras, camisetas e pilhas
de papéis cujo nome derivou da religião. Os santinhos também estão nas mãos
dos que atuam como voluntários. Trabalhar de graça não merece canonização;
estes apenas aguardam o melhor momento para cobrar a nomeação pelo sagrado
esforço.
O visitante não assume responsabilidades. É um
bom ouvinte, palpita na hora certa e aproveita a idéia do novo amigo para
propor soluções que oferece como inéditas ou criativas. Não se importa em
parecer contraditório, pois as palavras se perdem entre as caixas de tomates e
alfaces.
O candidato a vereador, este que aparece na
feira livre de vez em nunca, pode ser detectado de longe. Bem vestido, ele não
carrega os utensílios básicos para a sobrevivência neste local com origem na
Idade Antiga. A fantasia pode incluir uma calça social e sapatos para
transmitir elegância ou um jeans, camiseta e tênis básicos, com ar de
casualidade, proximidade com as pessoas que não o conhecem ou não se importaram
em reclamar do desaparecimento.
A ordem é chegar como se não houvesse passado.
Distribuir santinhos é papel dos soldados educados, por sinal. O candidato
distribui afeto. Corpo a corpo, apimentado por sorrisos. Beijos, abraços,
apertos de mãos indicam um flerte no qual o alvo não precisa ter nome, mas
título de eleitor. É importante a disposição para receber um afago na cabeça ou
levar um bebê para que o visitante o pegue no colo.
A feira livre é um ponto democrático. Não cobra
status. Você pode somente perambular por lá ou conversar com quem quiser sem
ser importunado. Os feirantes, folclóricos e criativos nas rimas, exalam
cultura popular, além de oferecer produtos tradicionais e exóticos, com preços
a serem barganhados com bom humor.
Vendedores e compradores que se conhecem há anos compartilham
confidências, sentem falta um do outro quando a ausência é superior a uma
semana. Todos assistem com resignação aos visitantes que renascem na eleição,
conversam, soam (e suam!) preocupação e somem por encanto.
Com sabedoria, um amigo comparou estes
personagens ao pastel da própria feira livre. Compõe o cenário, não representa
unanimidade entre feirantes e consumidores e costuma ser recheado de vento.
Neste último caso, basta ouvir as propostas (promessas) de alguns concorrentes.
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